Diante do avanço do modelo econômico predatório sobre a maior floresta tropical do planeta e seus povos, organizações buscam garantir a proteção de três de seus territórios mais ameaçados
A Amazônia continua sendo “devorada” em um ritmo cada vez mais alucinante. Os povos da floresta, por estarem na linha de frente da sua defesa, estão sendo crescentemente violados em seus direitos. As consequências deste cenário não são ainda totalmente conhecidas e colocam em risco um dos mais importantes biomas para a sobrevivência do planeta.
Diante desta realidade, uma ampla articulação de organizações nacionais e internacionais deu início, recentemente, ao projeto Todos os Olhos na Amazônia (TOA). A Terra Indígena Karipuna, o Projeto Agroextrativista (PAE) Lago Grande e um Mosaico de Terras Indígenas na Amazônia Maranhense, respectivamente situados nos estados de Rondônia, Pará e, evidentemente, Maranhão, são os três territórios em que o projeto vem há quatro meses focando a sua atuação.
Estas áreas foram escolhidas, após extensos debates e avaliações, pelo fato dos territórios e suas populações estarem sob intensa pressão e extremamente vulneráveis diante da invasão e do avanço de atividades predatórias em seus territórios, como a mineração, o agronegócio e a retirada ilegal de madeira.
O objetivo principal do projeto Todos os Olhos na Amazônia é estimular a ação em rede como estratégia para apoiar a luta de povos indígenas e comunidades tradicionais pela conservação das florestas e de seus territórios tradicionais. As organizações envolvidas juntarão seus conhecimentos e experiências para monitorar, identificar e denunciar os responsáveis pela violação de suas áreas e ao mesmo tempo, fortalecer a autonomia dos povos, no sentido de garantir a permanência deles em seus territórios ancestrais e, consequentemente, seu Bem Viver.
No Brasil, a articulação é formada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Fase-Amazônia, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Greenpeace, Artigo 19 e por diversas organizações locais, como a Associação Indígena do Povo Karipuna Abytucu Apoika, a Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento da Gleba Lago Grande (Feagle) e a Coordenação das Articulações e Organizações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima), dentre outras.
Internacionalmente, além das proponentes – Greenpeace, Hivos e Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica) – outras oito organizações participam deste projeto, dentre elas estão a Witness, Digital Democracy, o Instituto Internacional de Estudos Sociais (ISS), a Both Ends e a Universidade de Maryland.
O projeto Todos os Olhos na Amazônia também vem sendo executado em outros seis territórios da Pan-Amazônia, sendo três no Equador e três no Peru. Com financiamento da loteria holandesa, as organizações desejam, futuramente, replicar os bons resultados alcançados em outras regiões e países que enfrentam problemas similares aos que serão endereçados nos nove territórios amazônicos.
Uma impactante realidade
Não é nenhuma novidade afirmar que a Amazônia é hiperbólica. A abundância de seus bens comuns, como terra, água e biodiversidade, é tão ampla que, equivocadamente, parece infinita. Rios que parecem mar, floresta a perder de vista, espécies ainda nem descobertas pela ciência. Por outro lado, a ganância e a violência movidas pela necessidade de acessar e se apropriar destes bens comuns tornaram-se também desmedidas nesta região.
Segundo dados oficiais do Programa de Cálculo do Desmatamento da Amazônia (Prodes), um total de 428,7 mil km2 foram desmatados entre 1988 e 2017 neste bioma. Para se ter uma dimensão mais concreta, esta área equivale ao tamanho de dez Holandas, ou quase cinco Portugais, ou quatro Inglaterras. Há ainda estudos que afirmam que a área desmatada na Amazônia ultrapassa 780 mil km2, se for considerado o desmatamento que ocorreu antes de 1988 (e, portanto, não considerado pelo Prodes).
Organizações internacionais, como a Global Witness, e nacionais, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), têm denunciado também um vertiginoso crescimento da violência no campo na Amazônia. Segundo seus mais recentes relatórios, cerca de 80% das mortes vinculadas a conflitos de terra em todo o país ocorrem nesta região. De acordo com os dados de 2017 sistematizados pela CPT, 54 assassinatos no campo, de um total de 70 no Brasil, aconteceram na Amazônia. Eles estão associados a conflitos vinculados ao agronegócio, à mineração e à exploração ilegal de madeira, dentre outros fatores.
Neste assustador cenário, cabe ressaltar que vários estudos, assim como dados oficiais de monitoramento por satélite, confirmam que a preservação da floresta e de sua biodiversidade é maior dentro das áreas indígenas. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), entre agosto de 2016 e julho de 2017, as terras indígenas concentraram apenas 2% de todos os desmates na Amazônia.
Um modo simples de explicar isso é o fato de que os povos indígenas e as comunidades tradicionais, como as extrativistas, dependem da floresta em pé para garantir a própria sobrevivência. Além disso, a cosmovisão de muitos povos e comunidades fundamenta-se em uma relação espiritual com a floresta, através da qual são compelidos a protegê-la e evitar a sua destruição.
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