São dezenas de espécies de mantis camufladas como galhos, folhas secas ou verdes, musgos, casca de árvore e flor. Para encontrá-los, é preciso paciência e muita atenção

Uma fêmea quase adulta de Macromantis, um dos maiores louva-a-deus do Brasil, com mais de 10cm. Elegante, ela ganhará asas em breve. (Foto: Projeto Mantis)

Para quem ama biodiversidade, não existe dia ordinário na Amazônia, especialmente em locais protegidos como a RPPN Cristalino. Na busca pelos louva-a-deus, encontramos cores e formas que sequer imaginávamos existir. Muitos desses seres, em especial os pequeninos, noturnos e camuflados, seguem desconhecidos para o mundo. 

Essas florestas guardam o tesouro mais importante do Brasil – uma vida vibrante e ameaçada que se diversificou ao longo de milhões de anos de evolução. Cada árvore colossal é lar de centenas de seres, entre musgos e líquens que cobrem sua casca, insetinhos que caminham em seu micro-mundo e gigantes, como o macaco-aranha, que tem nas alturas seu lar. E em cada pedacinho de mata é possível achar um louva-a-deus.

Há duas semanas começamos a expedição “Austral: Mantis da Amazônia”. Noite após noite percorremos trilhas com lanternas e câmeras na mão, escaneando minuciosamente a floresta. Os louva-a-deus não deixam rastros, não têm cheiro ou emitem sons, nem tem olhos que brilham. 

Uma das maiores louva-a-deus da Amazônia repousa camuflada sob uma folha. Mesmo gigantes, os Macromantis ainda são difíceis de encontrar. Consegue achá-la? (Foto: projeto Mantis)

São dezenas de espécies camufladas como galhos, folhas secas ou verdes, musgos, casca de árvore e flor. Algumas vivem sobre a vegetação baixa, outras nos troncos, existem as que preferem ficar penduradas, outras gostam de áreas de clareiras naturais. Os louva-a-deus se tornaram a própria floresta, sublime e atenta a todo movimento.

Encontrá-los, então, é um desafio prazeroso e exaustivo. Horas sucessivas podem se passar antes de um de nós exclamar “encontrei!”. Quando isso ocorre, é sempre motivo de felicidade. Ali, rodeados pela escuridão completa, ao som de urutaus e corujas, eu e Lvcas nos conectamos ao pequeno mantis, que costuma nos olhar de volta, curioso e apreensivo. Que espécie será?

Antes mesmo de a ciência ser concebida como conhecemos hoje, o ser humano já buscava classificar e nomear os seres vivos. É uma forma de entendermos o que se apresenta ao nosso redor. Este é nosso principal objetivo científico nessa expedição. Encontrar, classificar e (caso desconhecidas) nomear as espécies de louva-a-deus da região sul da Amazônia.

Somente assim teremos uma noção real da biodiversidade deste lugar. Somando-se aos esforços de outros cientistas que estudam plantas, pássaros, moscas, anfíbios e cada um dos grandes grupos, buscamos dimensionar a biodiversidade desta floresta, sua importância e o que se perde quando o desmatamento avança. Cada ser é crucial em seu ecossistema, como parte de uma complexa teia de relações moldada pela evolução. 

Neste exato momento há uma louva-a-deus adulta na mata, aqui perto. Já faz três dias que a encontramos. Sua bela camuflagem como folha seca e murcha, com asas retorcidas e bifurcadas, é especial. Ajuda a escondê-la de predadores e a caçar outros insetos menores, que não percebem sua existência. Ela está pendurada sob um pequeno broto de árvore que aguarda a abertura do dossel para crescer. 

Camuflagem fantástica da louva-a-deus folha seca estamos acompanhando na floresta. Será uma espécie nova? (Foto: Projeto Mantis)

Enquanto tentamos classificá-la, buscando toda a literatura científica, uma tempestade vem se armando. Nuvens escuras prometem a chuva que traz vida e caos, reconfigurando a floresta. E ela, pequenina, tem que sobreviver. Mesmo apreensivos, sabemos que ela é parte desta floresta, onde já viveu pelo menos um ano. Estava aqui muito antes de chegarmos, e sorte foi a nossa de vê-la. 

Normalmente coletamos e criamos cada louva-a-deus encontrado até a morte natural, quando então é possível confirmar a espécie ao analisar detalhes como número e disposição dos espinhos, formato da cabeça, asas e outras características. Como já coletamos uma fêmea como esta, aprenderemos mais sobre a espécie deixando-a em seu ambiente natural. Quem sabe ela conseguirá atrair um parceiro? Talvez tenha filhos, garantindo a perpetuação de sua espécie nessa reserva protegida. Será que viverá na mesma arvorezinha até sua morte? Seu comportamento é completamente desconhecido, como o da maioria dos louva-a-deus brasileiros. 

Enquanto o objetivo principal da expedição Austral é entender a diversidade de espécies da RPPN Cristalino, pessoalmente queremos também revelar a complexidade e beleza de cada um deles na forma como coexistem com seu ambiente, dia e noite. Cada espécie é formada por indivíduos, que vamos conhecendo, alguns mais ariscos, uns reservados, outros bem atirados, sobem correndo em nossa mão sem medo. Vamos nos familiarizando com tão bela floresta, entendendo onde procurar cada pequeno ou grande mantis. Camada por camada, compreendemos e compartilhamos o micro mundo desses insetos tão carismáticos. 

Se nos perguntam “Para que servem os louva-a-deus?”, devolvemos a pergunta – “Quem são os louva-a-deus?”. O primeiro passo para entender sua relação com nosso planeta é conhecê-los, seus nomes e hábitos, sua rotina, do nascimento à morte. O privilégio dessa expedição, que durará dois meses, é poder imergir na floresta e acompanhar animais como aquela fêmea. 

O Brasil ainda abriga uma biodiversidade vibrante e desconhecida. Mesmo os seres que já ganharam um nome seguem, em geral, sem informações. Há pouco incentivo e oportunidades como a nossa. As expedições em busca da biodiversidade desconhecida em nosso país nunca deixaram de ser necessárias, mas se tornam escassas, pois a ciência e agentes de fomento exigem informações que sequer existem. 

Programas como o Tatiana de Carvalho, que concede minha bolsa, deveriam ser multiplicados. Dos Pampas à Amazônia, precisamos reconectar biodiversidade e conhecimento em seus ambientes naturais. Pintar as complexas camadas que envolvem cada espécie, suas relações tão belas, que nos emocionam. Assim passaremos a enxergar além da utilidade – os louva-a-deus existem, como tantos outros seres, e é esse conjunto de vida, a qual pertencemos, que torna nosso planeta tão especial.  

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