Fenômenos naturais e mudanças climáticas indicam que as grandes cheias serão uma constante na região nos próximos anos

Cenas aéreas do bairro do Educandos, na Zona Sul de Manaus , uma das áreas mais atingidas pela cheia do Rio Negro / Rodrigo Duarte/Greenpeace

Os eventos extremos são uma realidade global, que vêm intensificando fenômenos naturais numa escala nunca antes vista pela humanidade. Na Amazônia, isso não é exceção. Sob esse ponto de vista, 2021 foi um ano histórico: os rios Negro, Solimões, Amazonas, Acre, Juruá e Iaco, entre vários outros, registraram subidas muito acima da média, que alagaram cidades inteiras. No Amazonas, mais de 455 mil pessoas foram impactadas. No Acre, o governo estadual estimou em mais de 130 mil moradores de 22 cidades os atingidos.

Mas o que efetivamente causou essas cheias? E é possível que elas se repitam? Cientistas ouvidos pelo Greenpeace dizem que sim. Antes de chegarmos lá, porém, vale a pena entender o que causou as cheias históricas que a Amazônia vivenciou este ano.

Fator 1: O aquecimento do Atlântico Tropical

O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Jochen Schongart, conta que, de maneira geral, o Atlântico Tropical – a porção do Oceano Atlântico mais próxima da linha do Equador – está mais quente. Esse aquecimento faz com que uma grande quantidade de vapor de água venha para a Amazônia, onde vai provocar muitas chuvas.

O aquecimento é causado por diversos fatores naturais, que têm a ver com os sistemas climáticos globais – um conjunto de ventos, águas e ondas de calor que influenciam uns aos outros.

Diversos outros fatores também influenciam esse aquecimento do Atlântico. Um deles diz respeito a um resfriamento do Oceano Pacífico. Aqui, vale lembrar duas coisas: no sistema climático em que estamos inseridos, os oceanos da Terra “interagem” entre si. Como gigantescas porções de água que são, o que acontece em um tem enormes implicações nos outros oceanos. Além disso, os ventos, em nosso planeta, correm na direção Leste-Oeste – ou seja, na direção do Atlântico para o Pacífico.

Pois bem: no período em que estamos vivendo, o Pacífico Equatorial está mais frio que o Atlântico Tropical. O resultado disso: uma intensificação do que os cientistas chamam de “Células de Walker” que é essa circulação atmosférica que sai do Atlântico ao Pacífico “passando” sobre a porção superior da América do Sul. Resultado: mais ventos quentes circulando sobre a Amazônia. Esses ventos quentes carregam mais vapor d’água, que vai resultar em… chuvas.

O fenômeno La Niña também contribui com o aquecimento do Atlântico. Ele causa um resfriamento anormal do Pacífico, o que só agrava o cenário descrito no parágrafo anterior. Algumas consequências conhecidíssimas do La Niña no Brasil são: aumento de cheias no Norte e Nordeste e seca no Centro-Sul do País. Parece familiar, né? É exatamente este cenário que vivemos em 2021 – e cujas consequências são uma conta de luz mais cara e o risco de racionamento de energia.

Fator 2: Ventos e águas quentes vindas do Oceano Índico

Este segundo fenômeno é importante porque sabe-se que ele é causado pela ação humana e é considerado um efeito da crise climática.

Por conta da emissão de gases de efeito estufa, abrem-se “buracos” na atmosfera. O sistema climático da Terra não trabalha com vácuos – nesses deslocamentos de ventos e águas, por exemplo, quando algo sai do lugar, outra coisa vem e ocupa aquele espaço.

Assim, devido às mudanças climáticas e ao buraco na camada de ozônio situado na região da Antártida, um conjunto de ventos que circula no Sul da África muda de lugar e “desce” um pouco mais, indo transitar mais ao Sul, no continente gelado. Dessa maneira, cria-se um vácuo naquela região da África.

Quem ocupa esse vácuo? Um conjunto de águas e ventos quentes que vem do Oceano Índico. Eles usam esse espaço aberto como um “corredor” e vão parar no Atlântico. Eles contribuem mais ainda com o aquecimento deste oceano. O resultado desta viagem: mais umidade sobre o Atlântico, mais vapor d’água sobre a Amazônia e… mais chuvas.

Entre os cientistas, essa viagem das águas e ventos do Índico para o Atlântico é chamada de “vazamento das agulhas”, por conta do formato que os ventos têm nos mapas – como pequenas setas ou agulhas.

Fator 3: Os dois fenômenos anteriores se retroalimentam

Os cientistas são unânimes em atestar: esses dois fenômenos se retroalimentam, fazendo com que as chuvas e cheias que ocorrem na Amazônia fiquem ainda mais intensas.

Como isso ocorre? Resumidamente, com o aumento das chuvas, uma quantidade maior de água doce é despejada no Oceano Atlântico, onde existe muito mais água salgada.

Essas águas – salgada e doce – não se misturam. A água doce que chega no Oceano Atlântico forma uma camada superficial de água quente e baixa salinidade que “captura mais” a força dos ventos, jogando os ventos e águas com mais dinamismo e vigor para o Leste – ou seja aumentando a presença de vapor d’água sobre a Amazônia. O resultado? Sim: mais chuvas nesta região.

Importante: tendência é que as cheias continuem

“Estão ocorrendo algumas mudanças globais que estão mudando a quantidade de água que é transportada do Atlântico para a Amazônia”, disse o pesquisador do Inpa Philip Fearnside.

Para o cientista, é preciso estar atento para o fato de que esses fenômenos têm grande impacto sobre as atividades humanas: “Essas mudanças mexem com tudo na vida das pessoas no interior da Amazônia. Elas dependem dos rios para muitas coisas, e precisam de uma regularidade nas vazantes e enchentes para fazer agricultura na várzea, por exemplo. Elas precisam saber se vai ter tantos meses sem água em tal lugar, senão elas perdem todo o seu trabalho”.

Philip alerta que a humanidade precisa mudar seus hábitos para diminuir os prejuízos da crise climática. “Temos de controlar a emissão de gases de efeito estufa e o Brasil tem uma grande parte nisso – em nosso País o desmatamento é o grande emissor. Globalmente, o mundo inteiro tem que parar de queimar combustíveis fósseis. Independentemente de todos esses problemas relacionados ao aquecimento global, é muito importante controlar o desmatamento. É preciso que o mundo chegue a uma mudança de comportamento que busque contornar o aquecimento global”, declara o pesquisador.

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