
A licença concedida à Petrobras ignora direitos de povos tradicionais, as fragilidades técnicas e o compromisso climático do Brasil.
No último dia 20 de outubro, o Ibama concedeu à Petrobras a licença de operação para perfurar petróleo no bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas, uma região de altíssima sensibilidade socioambiental.
A decisão veio após quatro anos de pressão da estatal e do Ministério de Minas e Energia, contrariando pareceres técnicos do próprio Ibama e recomendações do Ministério Público Federal.
Diante dessa violação, oito organizações e redes ambientais representando povos indígenas, quilombolas, pescadores e o movimento ambientalista, entre elas: Greenpeace Brasil, APIB, COIAB, CONAQ, CONFREM, o Instituto Arayara, o Observatório do Clima e o WWF-Brasil, entraram com uma ação na Justiça Federal do Pará contra o Ibama, a Petrobras e a União.
O objetivo: anular o licenciamento e suspender imediatamente as atividades de perfuração.
Saiba como foi elaborado o processo de licenciamento de blocos de petróleo aqui.
1. O licenciamento não escutou os povos indígenas e comunidades tradicionais
O processo que liberou a exploração do bloco FZA-M-59 não realizou os estudos obrigatórios de Componente Indígena – demandados pela Funai – e Componente Quilombola. Tampouco garantiu a consulta livre, prévia e informada, direito previsto pela Convenção 169 da OIT e pela Constituição Federal.
Na área de influência do projeto existem terras indígenas, comunidades quilombolas, colônias de pescadores, reservas extrativistas, áreas de pesca artesanal, unidades de conservação e rotas de navegação, todos diretamente ameaçados por um possível acidente e pelas mudanças no uso do território.
Ao ignorar essas populações, o licenciamento desrespeita direitos fundamentais e compromete o próprio princípio da precaução ambiental.
“Os povos indígenas, a gente tá muito preocupado, desde quando começamos a ouvir sobre a exploração de petróleo, tirou nosso sossego, porque nosso território fica muito próximo da costa do Amapá, e nosso território é a nossa mãe, daqui que a gente tira nossa sobrevivência, do nosso território.”
Cacique Edmilson, da aldeia Galibi, em Oiapoque–AP.
2. Ausência de estudos confiáveis
Para obter a autorização, a Petrobras apresentou um modelo de dispersão de óleo que deveria demonstrar o comportamento da mancha em caso de acidente. Mas o estudo usa dados desatualizados, desconsidera características locais essenciais: como correntes subsuperficiais, sedimentos e uso de dispersantes, além de subestimar o risco de afundamento do óleo.
De acordo com os estudos apresentados na ação, se acontecer um vazamento, uma em cada cinco partes do óleo derramado pode afundar, em vez de flutuar na superfície.
Esse óleo submerso poderia atingir o Grande Sistema Recifal Amazônico: um ecossistema único no mundo e berçário de inúmeras espécies que sustentam a pesca e os modos de vida locais.

Apesar de ter autorizado a atividade, o próprio Ibama reconhece as falhas desse estudo, porque impôs como condicionante da licença a realização de um novo estudo de modelagem, evidenciando a irregularidade da autorização atual.
3. O projeto ignora os impactos climáticos
Desde 2021, a Agência Internacional de Energia (IEA) alerta que, para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C, nenhum novo projeto de combustíveis fósseis pode ser licenciado. Ainda assim, o Brasil — prestes a sediar a COP30 na Amazônia — abriu as portas para uma nova fronteira petrolífera.
O bloco FZA-M-59, onde a Petrobras iniciou a perfuração do poço Morpho, é apenas o primeiro de uma série: há outros oito blocos em licenciamento e 19 já arrematados na bacia da Foz do Amazonas.
Essa expansão significa mais emissões de gases de efeito estufa e mais contradição com o discurso de liderança climática que o país tenta sustentar internacionalmente.
Em plena crise climática, apostar no petróleo é uma escolha que nos afasta da justiça climática e da transição energética justa.
Por que o Ibama precisa anular a licença
A licença concedida tem vícios técnicos e jurídicos, é incoerente com a ciência e com política climática e é perigosa para o meio ambiente e para os povos e comunidades locais. Anular o processo é o único caminho para restaurar a integridade da política ambiental brasileira e garantir que decisões sobre a Amazônia e os oceanos sejam tomadas com base em ciência, justiça e respeito aos povos que os protegem.
Para Angela Barbarulo, gerente jurídica do Greenpeace Brasil, às vésperas da COP 30, é lamentável que o governo brasileiro tenha autorizado a abertura de nova fronteira de exploração de petróleo na região Amazônica.
“A anulação da licença de operação é urgente, uma vez que ela foi concedida sem estudos que identifiquem e mitiguem adequadamente os riscos e impactos socioambientais. O Brasil precisa reafirmar compromissos climáticos ambiciosos e assegurar o respeito efetivo aos direitos humanos para que possamos garantir um futuro possível, baseado na proteção do meio ambiente, na valorização dos povos e comunidades e na preservação de suas riquezas socioambientais.”
Se o Brasil quer ser referência climática, precisa agir com coerência.
Não há liderança possível enquanto continuarmos escolhendo o petróleo em vez da vida.
Junte-se a milhares de vozes que pedem #Anulajá
Assine a petição #PetróleoNaAmazôniaNão.
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