Em entrevista ao Greenpeace Brasil, pesquisadora do Instituto Pólis repercute estudo sobre quem são as pessoas mais expostas a enchentes, inundações e deslizamentos

Famílias impactadas por enchentes em novembro de 2021 e início de 2022, quando as fortes chuvas atingiram os estados da Bahia e Minas Gerais. © Isis Medeiros / Greenpeace

O medo vivido pelas populações periféricas nas cidades, assim como todas que historicamente têm seus direitos violados como quilombolas, indígenas, pesqueiras e rurais, aumenta quando o período de chuvas se aproxima. E esse temor vem sendo potencializado nos últimos anos por um cenário que tornou os eventos extremos mais intensos e frequentes, a crise climática

O estudo “Racismo ambiental e justiça socioambiental nas cidades”, publicado em julho deste ano pelo Instituto Pólis, trouxe um retrato de quem são as pessoas mais expostas a enchentes, inundações e deslizamentos em São Paulo (SP), Belém (PA) e Recife (PE).

De acordo com a publicação, as populações mais ameaçadas e que mais sofrem com as consequências do aumento de eventos extremos, como as chuvas fortes, são pessoas negras, de baixa renda e que habitam regiões periféricas, em especial mães chefes de família

Na cidade de São Paulo, 37% da população é negra, já nas áreas com risco de deslizamento esse número sobe para 55%. Em Belém, onde de acordo com os dados do Censo Demográfico (IBGE, 2010), 64% da população é negra, nas áreas de risco este índice sobe para 75%. E em Recife, onde 55% da população é negra, nas áreas com risco de deslizamento essa quantidade aumenta para 68%, e em áreas com risco de inundação, 59%.

O nosso modelo de urbanização é historicamente excludente e marginaliza determinadas populações. A falta de política habitacional e de acesso à moradia digna é o que leva parte da população para os lugares que restaram e que são vulneráveis ambientalmente. Nessas cidades que a gente analisou, existem muitos lugares ocupados pela população de maior renda que têm muita declividade, são próximos a cursos d´água e não estão suscetíveis ao risco. Em São Paulo, por exemplo, a gente tem Perdizes. No Recife, o bairro de Santana. Só que essa porção da cidade teve recurso técnico e recurso financeiro para que ela fosse construída com uma infraestrutura adequada”, afirma Lara Cavalcante, arquiteta, urbanista, pesquisadora do Instituto Pólis e uma das autoras do estudo.

Quer entender mais sobre como a estrutura de desigualdade tem impactado desproporcionalmente as populações urbanas quando o assunto é crise climática? Aperte o play e ouça esse papo que eu fiz com a Lara Cavalcante.

Neste primeiro vídeo, entenda como as consequências das chuvas fortes cada vez mais intensas e frequentes podem prejudicar, inclusive, a saúde das populações periféricas.

“Os impactos ambientais nas cidades são socialmente produzidos: não são apenas fruto de eventualidades climáticas. No entanto, a distribuição de suas consequências se dá de forma desigual no território urbano. Esse desequilíbrio é, em parte, a expressão da injustiça socioambiental e do racismo ambiental nas cidades”, diz o estudo.

No trecho a seguir, entenda como a urbanização das cidades reproduz o racismo e agrava ainda mais as desigualdades também na esfera socioambiental.

Para Lara Cavalcante, um dos primeiros passos para se construir uma outra lógica para as cidades é garantir espaço às pessoas mais expostas às vulnerabilidades climáticas nos processos decisórios da política institucional. Por isso, um dos caminhos que ela indica é construir um corpo político diverso que garanta uma perspectiva de olhar para a realidade considerando a diversidade de raça, classe e gênero. 

Cada território tem suas especificidades, e é por esse motivo que o Instituto Pólis escolheu essas três localidades, São Paulo, Belém e Recife. “As problemáticas ambientais e sociais que são mobilizadas nessas três cidades acabam sendo diferentes”, explica Lara. 

“Em São Paulo, há muitas questões relacionadas aos riscos por deslizamento, que inclusive é um dos principais motivos que mobilizam remoções de populações vulneráveis na cidade. O Recife é uma cidade que recentemente foi muito fortemente atingida por chuvas e inundações, e é uma cidade costeira, o que no atual cenário de emergência climática e de aquecimento global também suscita a questão do aumento dos níveis dos mares. E Belém é muito conectada com a água, com muitas áreas que são suscetíveis à inundação e tem problemas mais sérios relacionados a doenças vinculadas à falta de saneamento”, completa. 

Justiça Climática

Um outro estudo chamado “Quem precisa de Justiça Climática no Brasil?” foi publicado recentemente pelo Observatório do Clima e também aponta para a necessidade de inserir perspectivas, problematizações e soluções a partir do viés de quem sofre historicamente as injustiças socioambientais. O relatório traz a sobreposição de opressões e discriminações como um ponto focal para a discussão da crise climática no Brasil, e ressalta a importância de diferentes áreas e setores como acesso à energia elétrica, alimentação, moradia, entre outros, como fundamentais para a discussão de promoção de resiliência aos mais impactados. 

O documento traz alguns depoimentos como o de Selma Dealdina, quilombola da comunidade Angelim III, no Espírito Santo, que ao ser questionada sobre justiça climática a partir das múltiplas vivências quilombolas no Brasil, diz: “Falar de justiça climática é todo um processo. E a gente sempre esteve ali, preservando a água para que não seja poluída, para que não houvesse uma seca generalizada. Hoje o que mudou não foi o clima, foi o comportamento das pessoas, que estão agressivas com a natureza. Justiça e população negra, população quilombola, não andam do mesmo lado”.

Ela também relata que “como mulher quilombola negra, não se vê nos discursos por justiça climática propagados principalmente por pessoas brancas descoladas da realidade social do seu território”, descreve o documento. “Ouvir, reparar e pôr em prática o que cada uma dessas mulheres têm a dizer sobre justiça climática” é uma parte da resposta à pergunta-chave do estudo e dos caminhos para as ações de adaptação e de garantia de resiliência para essas populações. Ações que precisam ser colocadas em prática AGORA!

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