Em carta, sociedade civil pede para que os Estados Unidos não apoiem as políticas de destruição ambiental do governo Bolsonaro

Focos de calor em área de Prodes (2017-2019) e Deter, no Município de Lábrea (AM). O registro foi feito em agosto de 2020 durante uma série de sobrevoos de monitoramento do Greenpeace para registrar o avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia. © Christian Braga / Greenpeace

Nos dias 22 e 23 de abril, acontecerá a Cúpula do Clima, evento online convocado pelo governo dos Estados Unidos para discutir o combate à crise climática, reunindo líderes mundiais.

A atividade faz parte dos esforços do presidente norte-americano Joe Biden para reposicionar seu país como articulador internacional e liderança no combate às mudanças climáticas. No entanto, negociações nos bastidores entre os Estados Unidos e o governo de Jair Bolsonaro podem colocar em cheque essa posição pretendida por Biden. 

A portas fechadas, Brasil e Estados Unidos negociam o anúncio da transferência de recursos bilionários para conter o desmatamento no Brasil. Porém, não há qualquer garantia de que o dinheiro será de fato destinado à proteção das florestas. Pelo contrário, o acordo pode tornar o governo Biden cúmplice da destruição ambiental promovida pelo governo de Jair Bolsonaro.

Diante desse cenário, a sociedade civil, representada por 199 organizações e Greenpeace, enviou carta a John Kerry, o enviado especial dos EUA para o clima, pedindo para que o governo Biden não assine um “cheque em branco” com a administração de Bolsonaro. (O arquivo com a íntegra da carta está no final do texto)

O que se vê no Brasil hoje são medidas que promovem o desmatamento na Amazônia e premiam os criminosos por meio de um governo que, aliado ao Legislativo, têm sistematicamente atacado o meio ambiente com o compromisso de “passar a boiada” sobre a proteção ambiental. 

Nesse sentido, a transferência de recursos dos EUA para o Brasil legitimaria e fortaleceria a política antiambiental do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, fazendo com que o dinheiro não chegasse aos que mais necessitam de cooperação, como populações indígenas, quilombolas e pequenos produtores. Um exemplo disso é o programa Floresta + Carbono, voltado para donos de terras na Amazônia, com fraca menção aos povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares.

A destinação de recursos para a proteção ambiental é extremamente relevante, porém, como garantir que o dinheiro transferido pelos EUA será de fato destinado à proteção da maior floresta tropical do planeta se até agora nem o dinheiro já existente e orçado para a contenção do desmatamento foi gasto pelo governo federal?

 

Recursos que poderiam ser utilizados para a proteção das florestas estão paralisados

Desde 2019, o governo brasileiro deixou de gastar 500 milhões de dólares do Fundo Amazônia e 96.5 milhões de dólares do Fundo Verde pelo Clima (Green Climate Fund, em inglês), que poderiam estar sendo utilizados para a proteção das florestas e das populações indígenas e pequenos proprietários de terras. No caminho contrário, o pedido de recurso do governo Bolsonaro tem o intuito de ser destinado  de maneira indiscriminada para grandes proprietários de terra. 

Vergonhosamente, em dezembro de 2020, o governo brasileiro apresentou compromissos para a redução das mudanças climáticas no formato de um documento vazio e menos ambicioso que as contribuições passadas ao Acordo de Paris. Em parte do documento , o governo afirma condicionar o compromisso ao repasse de recursos de países desenvolvidos para o Brasil cumprir seu papel.

Além disso, o governo brasileiro tenta se beneficiar do Artigo 6 (sobre mercado de carbono) do Acordo de Paris, ainda a ser negociado, como solução para o controle do desmatamento, e não como o que verdadeiramente é, uma política que deve ser usada com cautela e devida regulação, sem qualquer inclusão de compensações florestais. 

É difícil imaginar uma solução para a Amazônia proposta por um governo responsável por um aumento histórico do desmatamento (9,5% de aumento em 2020 comparado ao ano de 2019) e que reiteradamente apoia projetos de lei prejudiciais aos povos indígenas, unidades de conservação e pequenos produtores, além de não promover ações orçamentárias que impactam diretamente a prevenção e o combate ao desmatamento e queimadas nos biomas do Brasil, bem como na criação, gestão e implementação de Unidades de Conservação federais. 

Qualquer esforço para defender as florestas no Brasil deve coibir crimes ambientais e apoiar povos indígenas, amplamente reconhecidos como guardiões da floresta e não ser utilizado para compensar grandes proprietários de terras e grileiros que avançam sobre as florestas.

Quanto ao Congresso Nacional, este se prepara para votar, com o apoio do governo de Jair Bolsonaro e a menor participação popular possível, um enorme pacote de retrocessos na proteção ambiental, que poderá deixar marcas difíceis de apagar. Recentemente, apesar dos esforços do Greenpeace e de outras organizações, além de milhares de pessoas que se mobilizaram na campanha Floresta sem Cortes por um orçamento mais justo para o meio ambiente, o Congresso também aprovou o menor orçamento para o meio ambiente em 21 anos, comprovando, mais uma vez, ser conivente com a política antiambiental e de desprezo à vida do governo Bolsonaro.

Tanto no caso do avanço do desmatamento e queimadas vistos ano passado, como no caso dos recordes de mortes pela pandemia, a sociedade está sendo vítima da negligência do governo Bolsonaro para enfrentar esses problemas, com base em fatos científicos, de forma transparente e que atenda aos interesses da população. Em ambos os casos vemos um despreparo total para lidar com a vida – especialmente a da população. 

Um acordo com o governo Bolsonaro significaria legitimar uma política baseada em um conceito de desenvolvimento arcaico que aumenta a desigualdade e destrói o meio ambiente, agrava a crise do clima e mata centenas de brasileiros diariamente, já que interesses políticos continuam acima da proteção coletiva da população, que perece diante de uma crise ambiental, climática e de saúde. 

O governo de Joe Biden e Kamala Harris foi eleito com a promessa de responder à ciência e retomar a luta contra a crise do clima. Negociar com violadores de direitos é concordar com as mesmas políticas anti direitos humanos que há pouco tempo também foram realidade nos Estados Unidos sob o governo de Donald Trump. Consertar o que foi destruído leva mais tempo que bons discursos e fotos nos jornais.

Leia a carta na íntegra:

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