Em vitória histórica do movimento indígena, governo federal retoma política de demarcação de territórios originários

© Tuane Fernandes / Greenpeace

Brasília (DF) – Finalmente aconteceu: nesta sexta-feira (28), durante o Acampamento Terra Livre (ATL), a maior assembleia indígena do Brasil, o presidente Lula anunciou a demarcação de seis novas Terras Indígenas e divulgou também outras medidas que reforçam a política indigenista de seu governo e potencializam a promoção dos direitos dos povos originários.

A notícia foi recebida com festa por lideranças, mulheres, caciques, pesquisadores e apoiadores do movimento indígena: desde 2018, nenhum território era demarcado no Brasil, atentando de maneira muito grave contra os direitos dos povos originários e deixando várias etnias expostas a violências diversas e ao risco de extermínio.

As Terras Indígenas demarcadas foram TI Arara do Rio Amônia (AC); TI Kariri-Xocó (AL); TI Rio dos Índios (RS); TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE); TI Uneiuxi (AM); e TI Avá-Canoeiro (GO).

O presidente participou do encerramento do Acampamento Terra Livre em uma tenda lotada de lideranças indígenas e, na ocasião, assinou o decreto de homologação das novas terras. Por meio de outros dois decretos, o governo federal também recriou o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e instituiu o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI)

Lula anunciou ainda a liberação de R$ 12 milhões à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para a aquisição de insumos, ferramentas e equipamentos às casas de farinha, que serão destinadas aos Yanomami, em Roraima.


Aquém do esperado

O anúncio do presidente veio cercado de muita expectativa e apreensão. Desde a campanha eleitoral em 2022, Lula tem dito que demarcaria novas Terras Indígenas, mas até hoje (28) não havia cumprido a promessa. Durante a transição de governos, o grupo de trabalho da frente indígena listou 14 territórios que estavam prontos para a demarcação, faltando apenas uma “canetada presidencial”. Nas últimas semanas, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que hoje cuida das demarcações, enviou 11 processos para a Casa Civil, última parada desses processos antes de serem encaminhados para a Presidência.  

Apesar do anúncio ser uma boa notícia, as demarcações de Terras Indígenas ainda estão muito aquém do esperado pelo movimento indígena e por quem acompanha o assunto. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), por exemplo, existem hoje no Brasil 871 Terras Indígenas aguardando a demarcação. Destas, 598 estão sem nenhum tipo de providência tomada e aguardam a União para começarem a tramitar.

Passos lentos

Essa retomada é muito importante porque, nos últimos cinco anos, não haviam sido demarcadas Terras Indígenas no Brasil. Isso significa que o Estado brasileiro não estava cumprindo seu dever constitucional de proteger os territórios reclamados pelos povos originários.  

Em 1988, na promulgação da Constituição, foi estabelecido que, em até cinco anos, todas as Terras Indígenas do Brasil seriam demarcadas, mas esse prazo nunca saiu do papel. O processo demarcatório vem caminhando a passos lentos e, desde 2018, ficou praticamente parado. Todos os presidentes do período democrático – Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e Dilma – demarcaram territórios originários. Com Temer e Bolsonaro, essa política foi abandonada.

Como resultado, comunidades indígenas de todo o país foram invadidas por grileiros, madeireiros, jagunços, garimpeiros, traficantes e toda tipo de criminosos. O Cimi registrou, em 2021, 305 casos de invasões nas Terras Indígenas e exploração ilegal de recursos, como madeira e ouro. Foi o sexto ano consecutivo com aumento deste tipo de violência. 

O crime organizado invadiu esses territórios. Uma das maiores organizações criminosas do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC), entrou na Terra Indígena Yanomami, em Roraima; no Pará, lideranças Munduruku tiveram suas casas incendiadas; e os Guarani e Kaiowá, os Guajajara e os Pataxó (no Maranhão, Mato Grosso do Sul e na Bahia) vivenciaram graves episódios de violência nos últimos meses. Em 2022, os povos indígenas foram as maiores vítimas de conflitos no campo, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).


Por que demarcar

Além de ser uma questão de justiça com os povos ancestrais, a demarcação das Terras Indígenas auxilia a conservação da natureza, protege a biodiversidade – pois ajuda na proteção de rios, florestas e animais; e auxilia no combate à crise climática, já que as árvores funcionam como imensos estoques de carbono.

A demarcação é uma obrigação do estado brasileiro e é um direito que os povos indígenas conquistaram após anos de lutas e resistências. Hoje, existem 429 territórios demarcados – mas são apenas 30,8% do total de áreas reivindicadas pelos indígenas.  

Free Land Camp 2023, in Brasilia, Brazil. © Tuane Fernandes / Greenpeace
Acampamento Terra Livre 2023
© Tuane Fernandes / Greenpeace

Ao demarcar um território indígena, a União determina que local é de usufruto exclusivo aos povos que nele habitam, protegendo de invasões e da especulação imobiliária. Logo, a demarcação permite que as comunidades indígenas vivam mantendo seus costumes, línguas e crenças, colaborando assim para a sua sobrevivência física e cultural. Por isso, é uma pauta primordial dos povos originários.


Recursos financeiros

O presidente Lula chegou ao acampamento às 10h20 abraçado a Raoni Metuktire, histórica liderança do movimento indígena; e acompanhado também por uma comitiva de autoridades como Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Clima, Joenia Wapichana, titular da Funai; e a primeira-dama Janja, assim como diversas outras lideranças indígenas. 

Durante o evento, Raoni reforçou o coro em favor da demarcação: “Vou falar com o presidente Lula pra ele demarcar terras para os parentes. O presidente precisa também rever os recursos financeiros para os órgãos trabalharem. A Funai precisa de dinheiro; a Sesai precisa de dinheiro”, afirmou.

Cerimônia de posse do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto © Agência Brasil

Em 1° de janeiro, durante a posse presidencial, Raoni subiu a rampa do Palácio do Planalto junto a Lula e outros representantes da sociedade brasileira – a imagem, repleta de simbolismo, rodou o mundo e se tornou uma das cenas mais célebres do novo governo. 

Sônia Guajajara relatou que o dia foi muito especial: “Vivemos até pouco tempo atrás um período de negação dos direitos indígenas, com criminalização de lideranças, desmantelamento da Funai, falta de apoio às instituições. Foi a institucionalização do genocídio. Mas estamos escrevendo uma outra história e compondo o governo com muita esperança. Nunca mais um Brasil sem nós”


Desmatamento zero

Após assinar o decreto de homologação das novas terras, Lula anunciou que o governo trabalha na estruturação de um Plano de Cargos, Carreiras e Salários para os servidores da Funai.

© Tuane Fernandes / Greenpeace

“Garanto a vocês que eu vou fazer tudo aquilo que falei que ia fazer na campanha. Vamos trabalhar muito para demarcar todas as Terras Indígenas. Não só porque isso é um direito de vocês, mas porque, se quisermos atingir o desmatamento zero, precisamos cuidar das florestas. Não quero deixar nenhuma Terra Indígena sem ser demarcada nesses quatro anos”, contou o presidente. 

Lula contou também que “os povos indígenas não devem favores a ninguém” e que é preciso respeitar os hábitos, costumes e tradições dos povos indígenas. “Não precisamos mais cortar árvore nenhuma. Precisamos convencer a sociedade brasileira de que uma árvore em pé traz mais pro país do que uma plantação de soja”, afirmou o presidente. 

Para o Coordenador-Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá, as demarcações são de suma importância: “A demarcação garante nossa existência enquanto povo específico e diferenciado; assegura nossa reprodução físico e socio-cultural; assegura a proteção territorial e apazigua os conflitos socioambientais. As pessoas nem sempre entendem essa nossa relação com os territórios, a cosmovisão que temos com esses lugares. Quando se fala em demarcação, se fala da garantia da vida dos povos indígenas e dos ecossistemas inseridos dentro daqueles territórios”.


Terra Livre

O Acampamento Terra Livre foi encerrado nesta sexta com a participação de mais de 5 mil lideranças indígenas de 150 povos. Ao longo de seis dias, foram realizadas diversas plenárias, mesas-redondas e debates para discutir as principais pautas do movimento indígena e fazer denúncias e reivindicações. Educação e saúde indígenas, direitos das mulheres, direitos dos povos isolados, proteção territorial e direitos das pessoas LGBTQIAP+ foram alguns dos temas debatidos. 

O movimento indígena segue mobilizado por novas demarcações e por outros temas de vital importância pro movimento – já estão rodando nas redes sociais convocatórias para o início de junho, quando as lideranças voltam a Brasília para acompanhar o julgamento do Marco Temporal; e para setembro, quando será realizada a terceira edição da Marcha das Mulheres Indígenas na capital federal.

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