Liberação de 467 novos agrotóxicos foi recorde este ano. Em 2020, seguiremos lutando por uma agricultura saudável de verdade. Sua participação é fundamental

prato com pedaços de abacaxi
Uma alimentação sem veneno é direito de toda a população. © Tuane Fernandes / Greenpeace

O ano de 2019 se encerra como o mais tóxico em mais de uma década e um trágico capítulo para a agricultura brasileira e para a população. Em apenas 12 meses, foram aprovados 467 novos agrotóxicos, que vão parar no nosso prato, contaminar trabalhadores rurais, o solo e a água que bebemos e destruir a biodiversidade. 

Se, em 2018, pressionávamos parlamentares para que não votassem em favor de absurdos como o Pacote do Veneno, em 2019 essa situação mudou bruscamente. Com o governo de Jair Bolsonaro, vivemos a experiência amarga de agrotóxicos serem empurrados goela abaixo da população, sem consulta, sem debate, apenas com canetadas feitas diretamente por Tereza Cristina, a Ministra do Veneno que milita em favor de agrotóxicos já há bastante tempo. 

Listamos neste blog os maiores retrocessos cometidos pelo governo Bolsonaro em 2019 e alguns graves acontecimentos que reforçam a importância de investirmos em uma agricultura sem veneno. 

O patrão pirou

Entre 1º de janeiro até hoje (19/12), foram liberados 467 novos produtos, um recorde! O ritmo de liberações de agrotóxicos foi tão intenso que 2019 já pode ser considerado o ano mais tóxico dos últimos 15 anos para a agricultura e alimentação no Brasil. Só não podemos dizer que esse é o ano mais tóxico de todos os tempos porque os dados mostrando as aprovações por ano só estão disponíveis a partir de 2005.

O discurso do Ministério da Agricultura (Mapa) de que é preciso aprovar produtos mais seguros e menos nocivos à saúde humana não passa de um disfarce para justificar tamanho contrassenso. Isso porque o órgão segue apostando em peças de museu quando o assunto é veneno. O total de produtos realmente novos é extremamente baixo (6%), e se pensarmos em produtos melhores, como os biológicos, essa proporção também é baixíssima (8%). 

É veneno e o rótulo importa

Em julho, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) adotou um novo sistema de análise toxicológica. A medida deixou os trabalhadores do campo ainda mais vulneráveis aos efeitos nocivos dos agrotóxicos, porque riscos importantes como cegueira e corrosão na pele não entram mais na categoria de “alta toxicidade”, que passa a incluir somente produtos que podem levar à morte por ingestão ou contato. 

Outro ponto que não faz sentido é a justificativa da Anvisa para adotarmos uma análise ligada ao Sistema Harmonizado Global (GHS). O argumento é o de que a mudança moderniza o Brasil em relação a outros países; no entanto, o órgão não adota o mesmo rigor na análise e na restrição ou banimento de alguns produtos. 

Continuamos sendo destino de agrotóxicos proibidos na União Europeia: 34% dos produtos aprovados em 2019 não são permitidos por lá. Por que cidadãos europeus são protegidos de determinadas substâncias tóxicas, mas os brasileiros não? 

charge de Junião mostrando a morte associada à quantidade de agrotóxicos que consumimos

Olá 2019, adeus Consea

Os fogos de artifício mal haviam anunciado a virada do ano quando Bolsonaro começou a colocar a segurança alimentar dos brasileiros sob ameaça, extinguindo o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). O órgão funcionava como uma ponte entre a sociedade civil e a Presidência da República, para debater políticas ligadas à alimentação, saúde e nutrição. A inclusão do direito à alimentação na Constituição Federal e a luta contra o Pacote do Veneno no Congresso são exemplos dessa atuação. 

Poderia ter ficado calada

Ainda no fim de 2018, a ministra da Agricultura Tereza Cristina havia dito que o debate sobre agrotóxicos teria “muito espaço” em sua gestão. A pergunta que fazemos, um ano depois, é a qual debate ela se referia, porque a chuva de veneno lançada sobre os brasileiros não foi discutida com a sociedade.   

Tereza Cristina também escorregou feio e desrespeitou a população em abril, ao declarar em uma audiência pública, em Brasília, que comer produtos orgânicos era coisa do “pessoal fitness”. Na ocasião aproveitamos para lembrar à ministra que alimentação justa, saudável e sem veneno deve ser direito de todos, não privilégio de poucos, e é por isso que precisamos de políticas públicas que garantam esse acesso. 

abelha poliniza uma flor
Agrotóxicos como o glifosato estão ameaçando seriamente a vida das abelhas. © Juraj Rizman/ Greenpeace

Salve as abelhas

Fundamentais à produção de alimentos e à vida no planeta, as abelhas também são vítimas do veneno. Entre dezembro de 2018 e março de 2019, mais de meio bilhão de abelhas criadas por apicultores foram encontradas mortas no Brasil. Agrotóxicos usados na agricultura brasileira, como glifosato, neonicotinóides e fipronil estão entre os maiores vilões, todos presentes na lista das novas liberações. Em maio, lançamos o abaixo-assinado Salve As Abelhas, para pressionar por mudanças na forma como produzimos nossos alimentos.  

Tá tudo dominado, incluindo a água

Uma reportagem da Agência Pública com base em dados do Ministério da Saúde mostrou que a água que bebemos está contaminada. A cada quatro cidades brasileiras, uma contém um coquetel que mistura diferentes agrotóxicos na água que abastece a população, isso sem contar que são pouquíssimos os ingredientes testados em comparação ao que temos aprovado. 

Algumas das substâncias encontradas são consideradas extremamente ou altamente tóxicas pela Anvisa, e associadas a doenças como câncer, malformação fetal, disfunções hormonais e reprodutivas.

Justiça para quem?

Nem quando vira questão de Justiça a saúde e o meio ambiente têm mais valor que os agrotóxicos no país. No fim de novembro, uma decisão judicial havia revogado a liberação de 63 produtos, gerando uma grande comemoração. Mas a festa durou pouco porque, alguns dias depois, veio o combo: o Mapa autorizou uma nova leva de agrotóxicos e um desembargador tornou sem efeito a decisão de revogação da Justiça. Mais uma vez fica claro que no Brasil os interesses das empresas agroquímicas têm valido mais que a saúde da população e do meio ambiente.

O nome disso é maquiagem

Ao lançar o relatório parcial do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), em dezembro, a Anvisa caprichou no banho de maquiagem dos dados. Falta de transparência, mudanças de metodologia do monitoramento e, principalmente, na forma de comunicar, fizeram parte dessa atitude perversa.

Apesar de o levantamento apontar que mais da metade dos alimentos analisados continham resíduos de agrotóxicos e itens importantes em nossa dieta não constarem na lista, o diretor adjunto do órgão, Bruno Rios, disse que a comida dos brasileiros está segura e que não há nenhum alarde. Seguro para quem?! Estamos comendo comida com veneno diariamente e o primeiro passo para migrarmos para uma alimentação mais saudável é admitirmos que há um problema, não tentar enganar a população. 

mulher compra frutas e legumes de uma mulher feirante
A luta continua em 2020 e seu papel é fundamental neste processo! © Barbara Veiga/ Greenpeace

Em 2020, desejamos…

Precisamos respirar fundo porque 2020 pode não ser muito diferente quanto o assunto é veneno. Mas se houver mais liberações, haverá mais reação, em igual medida. Não vamos parar de lutar por uma agricultura saudável de verdade, justa para quem produz, saudável para quem consome e sustentável para o meio ambiente. Precisamos urgentemente de uma Política Nacional de Redução de Agrotóxicos para o país, capaz de garantir uma transição equilibrada. Esse caminho já existe e precisa ser fortalecido com a mobilização da sociedade.

O seu papel é fundamental nessa briga: se informe e se envolva, pressione o governo, engaje as pessoas ao seu redor. Só uma sociedade mobilizada é capaz de alcançar as transformações que precisamos em prol do bem comum e de um futuro melhor. Até 2020!

Preparamos uma página especial, com materiais relacionados ao tema de Agricultura & Alimentação, para você baixar, ouvir e compartilhar:

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