Reconhecido como o caso mais importante da história para os povos originários, julgamento não tem previsão de nova data

Há anos o movimento indígena vem denunciando a inconstitucionalidade da tese do Marco Temporal. Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de adiar pela terceira vez o julgamento do Marco Temporal foi recebida com frustração pelo movimento indígena no Brasil, já que a demora na sentença aprofunda as ameaças aos povos originários, que seguem expostos a tragédias e conflitos em seus territórios tradicionais. 

Quem se beneficia desse adiamento são os invasores de Terras Indígenas – como grileiros, madeireiros e garimpeiros. Quanto mais tempo o STF levar para reconhecer a tese do Marco Temporal como inconstitucional, maior é o custo imposto aos povos indígenas e ao patrimônio ambiental de seus territórios ancestrais. 

Afronta

Utilizada para contestar a demarcação da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ (SC), dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, a tese do Marco Temporal está no centro do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365. Ela busca limitar no tempo os direitos dos povos indígenas aos seus territórios tradicionais, tendo como base a data de promulgação da Constituição Federal – 05 de outubro de 1988. Assim, poderiam ser reclamadas como Terras Indígenas apenas os territórios ocupados nesta data.

Para muitos juristas, isso é uma afronta ao texto constitucional, visto que, no texto da Carta Magna, não existe nenhuma referência de tempo específica para os direitos indígenas. Na Constituição, fala-se de “direitos originários” – ou seja, direitos que são anteriores à formação do Brasil.

Alguns especialistas lembram inclusive que existia sim um marco temporal na Constituição: uma previsão de que, em 5 anos, até outubro de 1993, todas as Terras Indígenas do País estariam demarcadas. Obviamente, isso nunca aconteceu. 

Preocupação

O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 possui o status de “repercussão geral”. Isso significa que a decisão tomada aqui servirá de referência para os inúmeros processos, existentes nas diferentes instâncias do Poder Judiciário de nosso país. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), existem hoje no Brasil mais de 800 Terras Indígenas que aguardam providências para serem devidamente reconhecidas e homologadas

Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deixou clara sua preocupação com mais esse adiamento: “A Apib, embora respeite as decisões internas da Suprema Corte, (…) não poderia deixar de tornar pública a sua preocupação a respeito dos impactos da decisão sobre os territórios, a vida, integridade física, cultural e espiritual de nossos povos, uma vez que tememos pelo agravamento das invasões praticadas pelos distintos grupos criminosos (garimpeiros, grileiros, madeireiros e pecuaristas, entre outros) que agem impunes praticando violências nas terras indígenas, sob incentivos do atual governo.” 

O movimento indígena mantém a agenda de mobilizações pelos direitos dos povos originários. Foto: Diego Baravelli/Greenpeace

Contexto de insegurança

Nas últimas semanas, durante suas lives e pronunciamentos, o presidente Bolsonaro tem recorrido ao julgamento do Marco Temporal para intimidar o STF, chegando a dizer que não vai acatar a sentença caso a Corte seja favorável aos povos indígenas.

Este tipo de atitude afronta gravemente não só os direitos originários, mas a democracia brasileira, que se vê refém das vontades autoritárias do presidente de plantão. E foi nesse contexto de insegurança contra o STF e a democracia, estimulado pelo atual governo, que se deu a retirada de pauta do julgamento do Marco Temporal no dia primeiro de junho. A retomada da votação estava prevista para hoje (23). O julgamento, no entanto, foi tirado de pauta e não tem previsão de nova data para voltar ao plenário. 

Para marcar a data, no entanto, estão programadas para hoje diversas manifestações Brasil afora, lembrando da importância de ser julgar o Marco Temporal o quanto antes. Uma delegação de 150 lideranças, dos povos Xokleng (SC), Guarani Kaiowá (MS), Tupinambá (BA) e Taurepang, Macuxi e Wapichana (todos de RO) cumprem agenda em Brasília (DF) esta semana alertando as autoridades da urgência dessa definição.

Quem se beneficia

O porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar, lembrou que o adiamento do julgamento do Marco Temporal ameaça diversos aspectos da vida brasileira. “Além de ser uma uma fraude, a tese do Marco Temporal  ataca algo fundamental para a vida dos povos indígenas: o direito ao território. Este ataque tem o claro desejo de inviabilizar a reprodução de culturas milenares que foram e são determinantes para a construção da cultura brasileira e para a proteção de nosso patrimônio ambiental”, disse o especialista. 

Danicley disse também que precisamos ter em mente quem se beneficia com os ataques aos direitos indígenas: “Como esquecer ou ignorar o histórico de violências que esses povos sofrem? Os genocídios? As remoções forçadas? Na condição de cidadãos, é urgente que todos os brasileiros e brasileiras se mobilizem pela rejeição desta tese absurda que só interessa àqueles que historicamente lucram com as violações dos direitos indígenas e enriquecem às custas da exploração do nosso patrimônio ambiental.”

O adiamento do julgamento da tese do Marco Temporal beneficia apenas os criminosos ambientais que querem explorar os territórios indígenas. Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace

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