Chuvas em Minas Gerais trazem ameaças de novos rompimentos e rejeitos de minérios da Vale continuam afetando a população

Rompimento da barragem da Vale em Brumadinho em 2019 tirou a vida de 270 pessoas, destruiu a biodiversidade e o ecossistema local; seis vítimas ainda estão desaparecidas (Fernanda Ligabue/Greenpeace)

“Quando o rio foi impactado, tiraram nosso sonho. Nossa aldeia começou a desmoronar. Cuidávamos daquele lugar, o rio era tudo para nós. O rompimento não foi natural, foi criado… Uma situação criada por uma mineradora que só pensa em ganhar, ganhar e ganhar”.

O tom de indignação que acompanha o desabafo de Tahhão Pataxó, liderança indígena da aldeia Naô Xohã, representa milhares de moradores de Brumadinho (MG) que ainda sentem diariamente as consequências do rompimento da barragem da Vale na mina Córrego do Feijão.

Três anos após o crime, completados neste 25 de janeiro, a avalanche de lama que destruiu a cidade e tirou a vida de 270 pessoas ainda se faz presente por meio da dor, do luto e da reparação insuficiente das comunidades atingidas.

As fortes chuvas que caíram sobre Minas Gerais nas últimas semanas também trouxeram à tona os danos do rompimento. A já citada aldeia do povo indígena Pataxó Hã-hã-hãe, por exemplo, localizada à beira do Rio Paraopeba, foi inundada pelas águas contaminadas pelos rejeitos de minério.

Segundo Tahhão, a Naô Xohã nunca mais foi a mesma após o rompimento. À época, nós visitamos a comunidade e registramos o descaso da mineradora com a aldeia e com toda forma de vida existente ali.

“Perdemos o kekatxá, o rio. Não podemos mais plantar porque a hãhão, a terra, ficou contaminada. Não podemos cultivar a nossa cultura, os awés (rituais) que fazíamos nas beiradas do rio. E agora, com a chuva, fomos expulsos da nossa aldeia. Ficou intransitável. Sabíamos que não podíamos voltar para lá e a Vale sequer ofereceu um lugar para ficar”, critica a liderança indígena. “Se fosse a água pura, poderíamos voltar sem medo de ficar doente”.

Tahhão Pataxó, liderança indígena da aldeia Naô Xohã (Foto: Insea)

Sem suporte da mineradora, os indígenas estão abrigados em uma escola no município de São Joaquim de Bicas. Mesmo após reunião com Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União (DPU) e secretarias municipais, a Vale negou a possibilidade de realocar a aldeia Naô Xohã.

“A Vale acha que pode fazer o que quer, na hora que quer, como quer. Constrói barragens, retirando minério, ficando cada vez mais rica sem se importar com leis, com seres humanos, com o meio ambiente e com os animais”, complementa Tahhão.

A luta incessante por justiça

Sem responsabilização efetiva da mineradora, de diferentes maneiras, é como se o crime da Vale se renovasse e continuasse acontecendo. E, evidentemente, não podemos esquecer o histórico da empresa.

Ao lado da BHP, a Vale controla a Samarco – mineradora responsável pelo rompimento da barragem em Mariana no ano de 2015.

Fernanda Portes, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), atua diretamente na região da Bacia do Paraopeba e ressalta que os agricultores da região, principalmente os do município de Mário Campos, tiveram a produção e o sustento comprometidos pelo rompimento.

Ela também afirma que os danos à saúde mental e física dos atingidos são evidentes. Há incerteza em relação à qualidade da água disponibilizada para a população, e centenas de depoimentos que relatam dores no estômago, náuseas, e que apresentam constantemente sintomas como coceiras e manchas na pele.

Com as enchentes que causaram ainda mais estrago no último período, há grande preocupação relacionada ao processo de remoção da lama tóxica e da poeira em vias públicas que impactam também o meio ambiente.

Portes defende que a Vale seja responsabilizada por todas as consequências e por ações preventivas para que os atingidos não passem por isso novamente em próximas cheias.

Como explicamos aqui, a crise climática torna eventos extremos como as chuvas que atingem o país cada vez mais intensos e frequentes, e é urgente que os governos coloquem em prática planos de adaptação.

“É urgente que as políticas de contenção dos avanços das mudanças climáticas e os recursos necessários sejam aplicados de maneira efetiva pelos governos estaduais para que casos como o de Brumadinho e Mariana, assim como as consequências intensificadas pelas fortes chuvas, não voltem a acontecer”, ressalta Pamela Gopi, porta-voz da Campanha de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil.

Apesar do marketing e da narrativa apresentada pela mineradora, os bilhões de reais em compensações anunciados são insuficientes para uma reparação completa e para impedir que os crimes, fruto de um modelo de mineração predatória que coloca o lucro acima da vida, se repitam.

Com a economia local abalada, a situação de vulnerabilidade das famílias aumentou, assim como o risco de insegurança alimentar.

População de Brumadinho homenageia os atingidos pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão na entrada da cidade, em 2019 (Foto: Christian Braga/Greenpeace)

Na opinião de Portes, coordenadora do MAB, a falta de punição permite que outros crimes aconteçam.

“Não existem medidas preventivas para as empresas se responsabilizarem e, quando os crimes acontecem, o padrão de violação dos direitos é muito cruel com os atingidos e atingidas. Não há fiscalização sobre as empresas. Isso é permitido porque há uma parceria entre mineradoras e governos para garantir lucros e a política. Aos atingidos sobra fazer a luta para ter direitos”, destaca.

A ativista faz questão de ressaltar que avanços no processo de reparação até aqui resultam exclusivamente da luta e articulação da população, apesar da Vale tentar ter o controle do processo e negar a participação real dos atingidos.

A principal conquista foi impor à mineradora o reconhecimento de que existe uma ampla diversidade de atingidos em toda a bacia do Rio Paraopeba. Os moradores também reivindicaram e conseguiram o auxílio emergencial financeiro para mais de 100 mil pessoas e o direito à Assessoria Técnica Independente, essencial para reparação integral futura e coletiva. O objetivo é que a assessoria identifique as perdas provocadas pelo crime e crie parâmetros justos para indenizações individuais.

Fernanda Portes acompanha os efeitos da mineração na bacia do Paraopeba há anos
(Arquivo Pessoal)

Em novembro de 2021, a Vale foi condenada a indenizar em R$100 milhões os familiares herdeiros de seus trabalhadores e funcionários terceirizados que perderam a vida no rompimento. À época, a empresa afirmou que iria analisar a decisão.

A tragédia de Brumadinho e a recente iminência do rompimento de outras barragens na região em razão do alto volume de chuvas evidenciam as fragilidades da fiscalização e do próprio processo de licenciamento da atividade mineradora, marcados pela ausência de transparência.

O setor é diretamente beneficiado pela aprovação de projetos antiambientais como o PL do Licenciamento Ambiental, conhecido como “a mãe de todas as boiadas”.

A nova proposta de lei aprovada pelos deputados e sob análise do Senado desmonta os principais instrumentos de proteção ambiental e é uma grande ameaça para as populações locais. Outros desastres criminosos continuarão acontecendo caso projetos como esses não sejam freados!

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