Muitos dos pecuaristas que colocaram fogo na Amazônia na ação coordenada de queimadas do ano passado já possuíam histórico de crimes ambientais e permanecem impunes

Registro da Fazenda Bacuri, em Altamira (PA), feito em sobrevoo realizado pelo Greenpeace em agosto de 2020. (© Christian Braga / Greenpeace)

Entre 10 e 11 de agosto de 2019, produtores rurais do Pará se mobilizaram para atear fogo à Amazônia, no que ficou conhecido como o “Dia do Fogo”. Em denúncia publicada este ano, mostramos que apenas 5% dos criminosos que atearam fogo na floresta neste período receberam algum tipo de punição. 

Mas quem são esses criminosos? São “indígenas e caboclos queimando para sua subsistência”, como afirmou Bolsonaro em seu discurso na ONU, ou outros atores, bem mais interessados no lucro? Como mostraremos nesta nova  denúncia, o fogo na Amazônia é promovido pelo interesse econômico de grandes pecuaristas e alimentado pelos frigoríficos brasileiros. 

Para mostrar esta dinâmica, destacamos o caso de três fazendas que apresentaram focos de calor nos dias em que ocorreu o Dia do Fogo em 2019 e que, além de não terem recebido nenhuma punição por estas queimadas até o momento, continuam em plena atividade. Alguns desses produtores, inclusive, continuam queimando de forma ilegal suas propriedades e perpetuando a trágica devastação que vemos desde o ano passado, contaminando ainda as cadeias de produção de gado nos mercados doméstico e internacional.  

No centro de tanta destruição está a política pró desmantelamento ambiental do governo de Jair Bolsonaro e a produção de carne e insumos em escala industrial, que segue expandindo sua fronteira de produção sobre ambientes naturais, figurando como o maior impulsionador do desmatamento em todo o planeta.

Fazenda Bacuri

Localizada em Altamira (PA) a fazenda Bacuri, com 1.117 hectares (ha), está registrada em nome de Emílio Carlos Nogueira Batagin. A propriedade tem desmatamento acumulado de 725,88 hectares e está embargada desde outubro de 2016 por desmatamento, acumulando mais de R$ 2 milhões em multas. 

Mesmo com a área embargada, o que, de acordo com a lei, deveria impedir qualquer atividade produtiva nesta área, foram registrados focos de calor na fazenda Bacuri entre os dias 10 e 29 de agosto de 2019 – dentro da área embargada e também na área com floresta nativa dentro da fazenda. Além disso, foram encontradas movimentações de venda de gado oriundo da fazenda em abril de 2020 que contaminaram a cadeia de produção da JBS de Marabá.

O gado criado na fazenda Bacurí chegou de forma indireta até a JBS através da fazenda Porangaí, que compra também de outra fazenda, a Turmalina, cujo proprietário está na Lista Suja do Trabalho Escravo, do Ministério da Economia. As duas conexões são violações claras dos compromissos públicos assumidos pelo frigorífico.  

Fazenda São José

Localizada no município de São Félix do Xingu (PA), a propriedade, registrada em nome de Reginaldo Leandro da Silva, consta como “pendente” no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural do Pará (Sicar), o que significa que pode haver inconsistências nos documentos apresentados, sobreposição com Unidades de Conservação ou irregularidades relativas ao uso da terra. 

A Fazenda São José participou do dia do fogo em 2019. A propriedade não apresenta nenhum embargo ou multa vinculada à área. Tampouco há registro de queima em 2020. Mas seu proprietário possui multas, totalizando R$ 955 mil por desmatamento ilegal, e dois embargos. A propriedade multada é a Fazenda Matão, localizada ao lado da Fazenda São José, que está em nome da mãe de Reginaldo, Geralda Rosa da Silva. Mesmo tendo a propriedade registrada no nome da mãe, o embargo da fazenda está em nome do filho o que suscita a dúvida e a possibilidade de ter havido “lavagem” de animais de uma propriedade para a outra. 

Como funciona a lavagem de gado

Diferentemente de diversos casos apontando a relação indireta de frigoríficos com o desmatamento da Amazônia, a Fazenda São José, que participou do “dia do fogo” em 2019, fornece, diretamente, até hoje para a JBS e Marfrig. Isso mostra que, apesar do compromisso voluntário com o desmatamento zero  e assinatura dos Termos de Ajuste de Conduta promovidos pelo Ministério Público Federal, as empresas falharam também nos seus controles de fornecedores diretos. 

Fazenda Santa Rosa

Localizada no município de Altamira (PA), a Fazenda Santa Rosa tem duas  áreas que juntas totalizam 1.462 ha de área embargada. O embargo ocorreu em 2015. O proprietário Edson Teófilo Rosa acumula multas por desmatamento ilegal relacionadas a estas propriedades que somam R$ 5,7 milhões. 

O fazendeiro já foi condenado pela Justiça Federal do Pará ao pagamento de R$ 100 mil por danos materiais coletivos e multa por litigância de má-fé , além de R$ 4,5 milhões, por danos materiais pela extração ilegal da madeira da propriedade e consequente enriquecimento ilícito, e a obrigação de recompor 742,31 hectares de floresta no prazo de 1 ano a começar de março de 2020. 

Nada disso, entretanto, impediu Edson e seus sócios de continuar provocando queimadas e vendendo boi.

De 2008 a 2019, o desmatamento detectado na Fazenda Santa Rosa totalizou 1.035 hectares. Isso corresponde a 1.479 campos de futebol ou cinco Parques do Ibirapuera. Entre agosto e setembro de 2019, foram detectados 259 hectares de cicatrizes de queimada, além de 17 hectares de desmatamento por corte raso em uma destas  áreas em agosto de 2019, ambas as detecções feitas pelo sistema DETER. Entre os dias 24 de julho e 13 de agosto de 2019, a fazenda teve registro de focos de calor em seu interior.

O gado criado na Fazenda Santa Rosa contaminou a cadeia e pode ter chegado à unidade de abate da JBS de Santana do Araguaia de duas formas: a primeira, através da Fazenda MAANAIM e a segunda passando pela Fazenda São Sebastião, ambas fornecedoras diretas da JBS na região. 

Segundo dados oficiais de exportação, 70% da carne bovina exportada do matadouro da JBS em Santana do Araguaia foi destinada a Hong Kong. Países como Angola e Egito também receberam animais, via JBS localizada em Santana do Araguaia. 

O Greenpeace Leste Asiático em Hong Kong enviou um comunicado às principais redes varejistas do território, apontando a conexão da carne brasileira com o desmatamento. Enquanto as redes Yata e City’super responderam que “raramente vendiam carne brasileira”, a ParknShop, uma das duas maiores redes de supermercados da região, disse que adquiriu uma “pequena porção” de carne da JBS, mas que diante dos fatos, trocará de fornecedor.

A Indústria da carne está roubando nosso futuro 

A cada novo caso exposto, a JBS respondia a mesma coisa: que está fazendo tudo o que está ao seu alcance para assegurar que sua cadeia de abastecimento esteja desvinculada de gado criado em áreas desmatadas. Em resposta às críticas de ambientalistas, povos indígenas e de investidores, no último dia 23 de setembro, a JBS fez um anúncio sobre a nova abordagem da empresa em relação ao desmatamento na Amazônia. Informou que, em 5 anos passará a controlar o elo anterior ao fornecimento direto da companhia. 

A sensação é de ‘déjà vu’. Em 2009, o Greenpeace expôs como a JBS estava massacrando a Amazônia. Naquele ano, a empresa já prometia resolver o problema em dois  anos. Hoje, uma década depois do rompimento da promessa, a JBS se dá ao luxo de estender por mais cinco anos a obrigação de mapear sua cadeia de fornecedores na tentativa de apaziguar seus investidores. 

Serão mais cinco anos em que ela continuará a fechar os olhos ao desmatamento, ilegalidade e abusos aos direitos humanos em sua cadeia produtiva. Pior, não irá, mesmo em cinco anos controlar a totalidade de fornecedores indiretos de gado que participa de sua cadeia produtiva. Também não estenderam o compromisso para o Cerrado e Pantanal, outros biomas insubstituíveis e sob forte pressão por conta da atividade pecuária. 

Mas a JBS não é o único grande frigorífico brasileiro envolvido repetidamente em casos de desmatamento. Temos todo um setor que tem feito pouco ou quase nada para mudar a forma como os negócios são feitos na Amazônia, que tem, hoje, cerca de 80% de suas áreas recém-desmatadas ocupadas por gado. 

A denúncia aqui apresentada, junto a tantas outras publicadas recentemente pelo Greenpeace e por diversas outras organizações, mostra claramente que o modelo de negócios dos maiores frigoríficos do planeta é incompatível com a emergência ambiental que estamos enfrentando. 

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