Líderes mundiais têm muito a aprender com os povos e comunidades tradicionais sobre como conviver em harmonia com a natureza, e esta é a hora de fazê-lo

A Conferência sobre Diversidade Biológica (CBD/COP15) começou esta semana em Montreal, no Canadá, e os tomadores de decisão de todo o mundo têm o desafio de chegar a um acordo sobre como proteger a biodiversidade global na próxima década e no futuro. E, neste sentido, é crucial ouvir o que os povos indígenas e comunidades tradicionais têm a dizer, já que a perpetuação de seus modos de vida têm protegido mais florestas, rios e oceanos que muitos governantes. 

Segundo informações da Organização das Nações Unidas (ONU), apesar de representarem menos de 5% da população mundial, os povos indígenas conseguem proteger 80% da biodiversidade existente no mundo, apesar das contínuas violações de seus direitos e da criminalização de suas práticas tradicionais. Sabe por quê?

Porque ao longo de anos, décadas e séculos esses povos desenvolveram formas de conviver com a natureza e, ao passarem adiante este conhecimento, perpetuando seus modos de fazer e de viver, promovem práticas sustentáveis que mantêm os ecossistemas sadios.

Para ser eficaz, o novo Quadro de Biodiversidade Global Pós-2020 deve abandonar os modelos colonialistas de conservação, que fracassaram em muitos sentidos, e garantir a plena participação dos povos indígenas e comunidades locais na gestão dos ecossistemas e na tomada de decisões.

Para sustentar a biodiversidade e toda a vida na Terra, incluindo a nossa, é essencial apoiar as comunidades que a protegem há milênios. A COP15 pode criar os meios para que isso aconteça. 

Nos próximos dias, diversas lideranças indígenas estarão em Montreal para mostrar ao mundo a importância de outras formas de existência e para expressar a necessidade de que estas formas e o direito à terra destas pessoas sejam reconhecidos. Aqui, te apresentamos quatro dessas lideranças inspiradoras:

Adrienne Jérôme, liderança da Nação Anishnabe de Lac Simon

Adrienne Jerome é a líder da Nação Anishnabe de Lac Simon, na atual província de Quebec, no Canadá. Eleita em 2016, ela defende consistentemente o trabalho da Primeira Nação de Lac Simon para recuperar a população de caribus da floresta – que é como são chamadas as renas na América do Norte – do território a um nível saudável. A espécie é essencial para as culturas e tradições de Lac Simon e pode ser usada como indicadora da integridade da floresta boreal. Hoje, o caribu da floresta ainda está ameaçado por atividades industriais, principalmente extração de madeira e mineração.

“Por milhares de anos, nossas comunidades sobreviveram por causa do caribu. Hoje, temos uma dívida de gratidão com esse animal e não há como deixá-lo desaparecer.”

A Nação Anishnabe está trabalhando ativamente para implementar medidas de proteção que combinem o conhecimento tradicional com a ciência ocidental para proteger as principais áreas sensíveis ou de interesse. Estas medidas também contribuem para a recuperação de outras espécies ameaçadas ou vulneráveis, como o peixe esturjão e o alce.

“Espero que a COP15 traga uma visão diferente da exploração dos recursos naturais para que a biodiversidade seja promovida e conservada. Uma visão mais holística e próxima da natureza, como preconizam as Primeiras Nações em seu modo de vida tradicional. A falta de respeito ao direito das comunidades indígenas de proteger a natureza é uma forma de racismo sistêmico e ambiental. Isso deve mudar na COP15. É hora de as vozes dos povos indígenas serem ouvidas.”

Dinamam Tuxá, Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

Advogado e ativista indígena do povo Tuxá, que tradicionalmente habita a região entre os estados de Pernambuco e Bahia, é o atual coordenador geral da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

Dinamam participou de duas viagens à Europa (nas iniciativas “Guardiões da Floresta” e “Sangue Indígena: Nem uma Gota Mais”), em 2018 e 2019, onde denunciou, juntamente com outras lideranças indígenas, as políticas brasileiras que ameaçam desapropriar os povos originários de seus territórios, criminalizar sua luta, e favorecem a destruição de suas matas nativas. Essas expedições foram importantes para sensibilizar governos e mercados internacionais para que pressionassem o governo brasileiro, evitando que  levasse adiante atrocidades socioambientais ainda maiores. 

“É impossível falar em conservação da biodiversidade sem falar em Terras Indígenas. Globalmente, as áreas manejadas pelos povos indígenas estão entre as mais conservadas, embora nós, povos indígenas, representemos uma pequena parte da população. Apesar disso, continuamos fora do processo de tomada de decisão e sem respeito aos direitos sobre nossos territórios. Esperamos que esta COP15 reconheça nossos direitos e crie mais espaço para nossa participação oficial.”

Valentin Engobo, líderança da Vila de Lokolama, da Bacia do Congo

Líder da comunidade de Lokolama, na República Democrática do Congo (RDC), Valentin Engobo é presidente da Associação de Camponeses Pigmeus de Lokolama (APPL), organização que criou em 2004 para enfrentar desafios relacionados a violações de direitos humanos e à afirmação de sua comunidade.

A combinação de seus conhecimentos tradicionais combinados com a ciência permitiu-lhes sensibilizar o mundo para a necessidade de proteger as turfeiras e conservar o ecossistema da região, especialmente através da domesticação de plantas medicinais. Em 2016, a comunidade de Lokolama lançou um projeto florestal comunitário com o objetivo de garantir direitos territoriais ao estabelecer uma concessão para manejo florestal sustentável na região.

Um ano depois, em colaboração com o Greenpeace e uma equipe científica da Universidade de Leeds (Reino Unido), a comunidade destacou a descoberta em Lokolama do ponto de partida de um vasto complexo de turfeiras tropicais, que se estende por partes da República do Congo. As turfas são solos riquíssimos em material orgânico, que funcionam como importantes sumidouros de carbono. Estima-se que a vasta turfeira identificada na Bacia do Congo armazena o equivalente a três anos de emissões globais.

“Foi importante para mim e para meu povo celebrar esta descoberta, destacar o papel de nossa floresta na proteção do clima e chamar a atenção dos tomadores de decisão para a importância de nos considerarmos parceiros iguais no manejo florestal, bem como nossa contribuição para a proteção do clima global.”

Orpha Novita Joshua, indígena Namblong, de Papua Ocidental, Indonésia

Orpha é uma jovem indígena Namblong do Vale Grime Nawa, em Papua Ocidental, na Indonésia. Ela está participando da COP15 para representar sua comunidade e a Organização de Mulheres indígenas Namblong (Namblong Indigenous Women’s Organization), um grupo que trabalha para proteger o meio ambiente através da emancipação e participação das mulheres indígenas.

Orpha e sua comunidade lutam para salvar seu vale do desmatamento ilegal promovido pela produção de óleo de palma, em um lugar rico em biodiversidade, incluindo aves-do-paraíso, que são símbolo da cultura indígena em Papua. O local em disputa é conhecido por ser um dos melhores locais de observação de pássaros em Papua Ocidental. Em 2012, uma empresa obteve uma licença do governo indonésio para desmatar mais de 16 mil hectares de floresta em território tradicional indígena, sem seu consentimento livre, prévio e informado.

“O governo também concedeu à empresa uma licença ambiental sem o nosso consentimento. As comunidades do Vale do Grime Nawa fizeram manifestações pacíficas para exigir que o governo revogue todas as licenças da empresa, porque nunca abrimos mão de nossos direitos à terra. Mas, para nossa indignação, a empresa foi em frente e começou a desmatar nossa floresta de qualquer maneira.”

Orpha está pedindo aos líderes mundiais que interrompam os investimentos ligados à destruição da natureza, que acaba com a biodiversidade e os meios de subsistência dos povos indígenas.

“Queremos ser capazes de administrar e desenvolver a terra de acordo com nossas necessidades e sustentar a floresta nativa e os animais que ela sustenta.”

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