Adaptar para resistir: um exemplo prático da importância das políticas climáticas integrarem o conhecimento de quem enfrenta a crise diariamente

Neste momento, líderes mundiais e sociedade civil se reúnem no Azerbaijão, nos Emirados Árabes, para discutir o presente e o futuro do clima mundial durante a COP 29, a Conferência do Clima da ONU. O Greenpeace Brasil cobra que os maiores poluidores paguem pela destruição causada, eliminem subsídios aos combustíveis fósseis, apresentem metas mais ambiciosas de redução de emissões e garantam recursos para adaptação e reparação de Perdas e Danos em países em desenvolvimento – aqueles que mais têm sofrido e que menos contribuíram para a crise do clima.
Com a frequência crescente de eventos extremos, a adaptação é uma ação crucial para proteger as populações que têm sido mais impactadas, garantindo que possam enfrentar os desafios impostos pela crise climática.
Mas afinal, você sabe o que é adaptação? Um conceito relativamente recente no vocabulário climático e ao mesmo tempo tão urgente de ser compreendido como resposta à crise do clima.
Adaptação se refere às ações e medidas que precisam ser implementadas para reduzir os impactos negativos dos eventos climáticos extremos que estão cada vez mais frequentes. Falar de adaptação é discutir a capacidade de resposta e prevenção, principalmente de quem é mais impactado, a tragédias como as enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul, em maio de 2024, e as fortes chuvas em São Sebastião, em 2023, ambas no Brasil, e em tantos outros lugares ao redor do mundo, como recentes as inundações na Espanha e os tufões e tempestades nas Filipinas.
Adaptação também implica reconhecer que nem todos conseguem enfrentar uma tragédia climática da mesma maneira. Vivemos em uma sociedade desigual, marcada por profundas diferenças estruturais e históricas. No entanto, você de fato entende como esses impactos desproporcionais se dão na prática? A seguir, descrevo alguns cenários reais que não deixam dúvidas sobre o que se trata estar em condições desiguais para passar por um evento extremo e resistir a ele.

Em eventos extremos como ondas de calor, por exemplo, milhões de pessoas habitam moradias em favelas e comunidades urbanas que não têm condições suficientes para enfrentar este evento extremo, como baixa ventilação, comprometendo sua saúde e capacidade de resistência. Outro exemplo: as pessoas que trabalham ao ar livre, como agricultores, mineradores, pecuaristas, garis, carteiros, trabalhadores de transmissão e distribuição de energia elétrica, trabalhadores da construção civil, feirantes, entre outros, estão nas projeções científicas que preveem que em virtude das alterações climáticas, esses trabalhadores poderão ter efeitos à saúde agravados, uma vez que medidas de proteção como ventilação e resfriamento não são aplicáveis em trabalhos desempenhados nessas condições. Os dados foram publicados no artigo “Pressão por produção e produção de riscos: a “maratona” perigosa do corte manual da cana-de-açúcar”, de 2014.
Em casos de fortes chuvas, que provocam enchentes e deslizamentos, uma matemática cruel se repete, pois são as pessoas de baixa renda que vivem em áreas negligenciadas pela especulação imobiliária e pelo poder público, que as abandona quando essas regiões se tornam a única opção de moradia acessível na cidade, que mais sofrem com os impactos.
Esses são apenas alguns exemplos de eventos extremos, mas há muitos outros, cada um revelando uma série de vulnerabilidades que afetam desproporcionalmente as populações mais vulnerabilizadas.
Para evitar tragédias dessa magnitude, a adaptação climática deveria ter sido implementada de forma preventiva. Isso inclui desde o planejamento urbano mais resiliente, com infraestrutura que suporte eventos extremos, incluindo combate às desigualdades e garantia de direitos básicos e fundamentais para todas as pessoas. Essas ações, se adotadas a tempo, poderiam ter amenizado os impactos e protegido vidas e meios de subsistência, mostrando que a adaptação não é apenas necessária, mas urgente e essencial para a sobrevivência diante de um clima em constante transformação.
É fundamental destacar que é com as pessoas que estão pagando o maior preço das ações de quem mais polui, que as soluções devem ser construídas, pois elas que mais sabem o que é melhor para sua rua, bairro, cidade e Estado.

Adaptação na prática
No último mês de outubro, o Greenpeace Brasil participou do Acampamento Global de Justiça Climática, na Tanzânia, onde jovens de diversas partes do mundo, ou melhor, dos países do Sul Global, compartilharam suas experiências e lutas por justiça para quem está sofrendo as piores consequências da crise climática.
Foram tantas as trocas de experiências e apresentações de soluções para problemas comuns ao Brasil e aos demais países do Sul Global que é difícil relatar todas as que tivemos a oportunidade de vivenciar. Mas compartilho uma delas, a iniciativa liderada por Rukia Ahmed, fundadora e diretora executiva da Green North Eastern Initiative (GNEI), uma organização não governamental que atua em comunidades rurais no nordeste do Quênia.
A GNEI promove sustentabilidade ambiental e ação climática com base em cinco pilares: educação e conscientização climática nas escolas, melhoria das condições climáticas no ambiente escolar com plantação de árvores ao redor da escola – já que as altas temperaturas influenciam o bem-estar e a evasão escolar –, advocacy junto às autoridades locais para garantir o acesso à água potável, agroecologia e uma agricultura resistente ao calor extremo da região.

O Quênia, situado na linha de frente da crise climática, já sofreu com eventos extremos em 2024, incluindo inundações que tiraram mais de 200 vidas e deslocaram mais de 165 mil pessoas. Uma tragédia precedida de grandes secas, em 2023.
No condado de Wajir, situado no Nordeste do Quênia, onde as altas temperaturas e a seca se intensificam com o avanço das mudanças climáticas, comunidades rurais enfrentam desafios diários. Cerca de 80% da população depende da lenha e do carvão para cozinhar, o que agrava a degradação ambiental devido ao desmatamento e gera conflitos territoriais pela exploração dos recursos. Para enfrentar esses desafios, Rukia Ahmed, uma apaixonada pela educação, fundou o projeto “Escolas Verdes,” em parceria com uma escola de ensino médio para meninas. “É na educação onde acredito que começa a grande transformação”, ressalta a jovem ativista de 22 anos.
Em parceria com uma escola de ensino médio para meninas, com 700 alunas, o projeto mobilizou a comunidade escolar, incluindo pais, professores e o governo, para plantar árvores nativas e frutíferas resistentes à seca. Utilizando energia solar para bombear água de um poço, a escola tem irrigado essas árvores, criando uma área verde ao redor das salas de aula, incluindo algumas espécies nativas que além de fornecer sombra, possuem valor medicinal importante para a comunidade local.
“O objetivo é que essas árvores cresçam e criem um espaço verde onde as alunas possam estudar ao ar livre, beneficiando-se do frescor proporcionado pela vegetação. Queremos transformar essas áreas em uma “biblioteca verde”, proporcionando alívio do calor extremo das salas de aula e oferecendo um ambiente mais confortável e propício para o aprendizado” relata Rukia, que informa ainda que muitas pessoas, à noite, dormem sob as árvores em vez de dentro de suas casas, pois as casas são muito quentes.


Combatendo a escassez de água em meio aos desafios climáticos
O trabalho da jovem ativista queniana se estende por algumas regiões do Quênia. No condado de Garissa, uma equipe liderada por Rukia visitou comunidades que enfrentam desafios críticos de acesso à água. Ao chegar, a equipe encontrou uma realidade em que as mulheres predominavam nas tarefas de busca por água, enquanto alguns homens conversavam à sombra de uma árvore esperando o gado tomar água nos reservatórios locais. O principal reservatório da região havia sido inundado recentemente devido ao transbordamento do rio Tana, uma situação recorrente nas represas locais. Essas represas, grandes cavidades escavadas para armazenar água da chuva e das cheias, têm servido como fonte temporária para a comunidade, oferecendo água apenas até a próxima estação chuvosa. Caso a chuva falte, essas comunidades ficam sem alternativas viáveis de acesso à água.
No entanto, a qualidade da água armazenada é uma preocupação constante. Como o reservatório é compartilhado entre humanos e animais — incluindo gado, camelos, cabras e até animais selvagens e aves —, ele se torna facilmente contaminado. A água acaba por se tornar inadequada para consumo humano, podendo ser usada, no máximo, para lavagem. Em meio a isso, as mulheres locais utilizam seu conhecimento para cavar poços rasos, de onde extraem água limpa diretamente do solo, usando apenas as mãos ou ferramentas improvisadas, como galhos e ramos. Esses poços artesanais, embora ofereçam alguma solução, têm capacidade limitada e demoram a se reabastecer, forçando as mulheres a esperarem por horas para conseguirem mais água.
O trabalho de busca pela água, além de ser desgastante, é perigoso. Frequentemente, as mulheres enfrentam assédio e, em alguns casos, até abuso sexual enquanto realizam essa tarefa, perpetuando uma realidade de violência e silêncio dentro das comunidades. Além disso, crianças e adultos também sofrem os impactos da falta de água potável.
Segundo a ativista, as comunidades estão cada vez mais conscientes das dificuldades impostas por esses eventos climáticos extremos, mas não compreendem completamente que as mudanças climáticas são uma das causas principais. Por meio de campanhas de conscientização, a equipe de advocacy tem buscado educar a população sobre as mudanças climáticas, explicando suas consequências e apresentando soluções. Em diálogo com o governo local, a ativista defende que o financiamento de projetos de infraestrutura hídrica é essencial. Um exemplo que ela destaca é o de uma escola na região onde atua que, com o auxílio de energia solar, bombeia água de um rio próximo para abastecer a comunidade, um projeto que poderia ser ampliado com sistemas de captação de água da chuva para aumentar a resiliência hídrica da região.
Rukia destaca ainda que a persistência e o esforço das mulheres locais em enfrentar a escassez hídrica ilustram uma realidade de resistência, mas também de urgência em encontrar soluções duradouras e dignas para essas populações marginalizadas.
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