Acampamento vai reunir lideranças em Brasília (DF) para acompanhar o julgamento que decide o futuro das Terras Indígenas brasileiras

A Praça da Cidadania, em Brasília (DF), se torna esta semana a maior aldeia indígena do Brasil: a partir desta segunda (23), tem início na capital federal o acampamento #LutaPelaVida, que vai reunir lideranças de todas as regiões do País para uma intensa agenda de atos e mobilizações para frear os retrocessos socioambientais e a política anti-indígena do governo Bolsonaro. Os organizadores esperam cerca de 5 mil lideranças em Brasília nos próximos dias. 

O motivo principal desta mobilização é o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, que ocorre na quarta-feira, dia 25. Na ocasião, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão julgar o pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ. 

No meio desta disputa encontra-se a tese do marco temporal – que diz que os indígenas brasileiros só podem reivindicar as terras que já ocupavam no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação de nossa Constituição. Essa teoria é falha porque ela ignora todo o histórico de violências cometidas contra os povos originários brasileiros ao longo dos últimos séculos, como assassinatos, chacinas, genocídios, remoções forçadas e surtos de doenças. Os indígenas vão a Brasília pedir que os ministros rejeitem a tese do marco temporal.

Os organizadores do #LutapelaVida adotaram uma série de protocolos para reforçar o combate à Covid-19. Estão previstos o funcionamento de um centro de testagem dentro do acampamento, assim como a distribuição de álcool em gel nas tendas, montagem de paineis informativos e controle de entrada e saída do local. 

Discussão e cultura

Além de acompanhar o julgamento, os indígenas também vão à Brasília para lutar contra as  principais propostas legislativas que querem passar o trator nas florestas, nos direitos dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais e na nossa saúde. Entre elas os Projetos de Lei 191/2020 e o 490/2007. 

O acampamento terá também plenárias, que vão discutir vários assuntos – como a presença dos jovens no movimento indígena; os direitos das mulheres; manutenção de territórios e modos de vida; e caminhos para aumentar a participação de indígenas nas Eleições 2022. Algumas programações culturais, como uma mostra audiovisual indígena, um momento específico para pajelanças e outro dedicado a apresentações e exibições de artistas indígenas e artistas visitantes do acampamento também estão previstas. 

Repercussão Geral

O julgamento do Recurso Extraordinário é de “repercussão geral” – ou seja, o que for decidido neste momento valerá para outros casos semelhantes. Assim, o que o STF decidir agora vai impactar todos os povos e terras indígenas do Brasil.

Se a tese do marco temporal for considerada válida pelos ministros do Supremo, ela vai prejudicar enormemente os esforços de demarcação de Terras Indígenas em nosso país e dificultar ainda mais a vida dessas populações. 

Essa teoria legaliza as violências cometidas contra os povos indígenas, não considera períodos como a Ditadura Militar (cujos relatos de violências são inúmeros e ainda permanecem sendo descobertos) e não cita o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar judicialmente por seus direitos. 

Isolados

Os 115 povos isolados do Brasil seriam imensamente prejudicados, já que hoje está em vigor uma política de não contato com esses indígenas. Não é possível saber, por exemplo, se eles já estavam em suas terras em 88. Além disso, muitas de suas terras sequer serão reconhecidas. O marco temporal restringe os direitos originários  dos povos indígenas reconhecidos na Constituição e é defendido apenas por ruralistas e outros interessados na exploração predatória de terras indígenas.  

Uma das principais lideranças Xokleng, Brasílio Priprá, disse desejar que o marco temporal seja um assunto superado muito em breve: “A demora na demarcação das terras indígenas é muito preocupante. Porque, quanto mais tempo passa, mais se encontram grandes dificuldades para a demarcação de terra no Brasil. Os povos indígenas precisam ter reconhecidos seus direitos tradicionais. E nós gostaríamos que fosse julgada a repercussão geral, que fosse a favor, que não se falasse mais em marco temporal”

Direitos originários

Porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace, Carolina Marçal contou que o Supremo Tribunal Federal precisa reconhecer o caráter originário dos direitos indígenas – ou seja, que diz que os direitos deles são anteriores ao próprio Estado, já que essas populações já estavam por aqui antes de 1500. 

“Rejeitando o marco temporal, os ministros abrem caminho para que centenas de conflitos possam terminar e que diversos territórios possam ser efetivamente reconhecidos e demarcados. Se isso não acontecer, as violações ocorridas no passado não só serão legalizadas como poderemos ver no futuro diversas decisões anulando demarcações, surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o incentivo a um novo processo de invasão de terras demarcadas. Não podemos deixar isso acontecer”, disse Carolina.

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