Mais um trabalhador rural foi baleado por seguranças particulares do latifúndio. É o segundo, em uma escalada de violência prestes a explodir

Torre de segurança da companhia Estrela Guia, subcontratada do Agronegócio Estrondo, localizada em uma área em disputa judicial. A posse da área, no oeste da Bahia, é atualmente garantida pela justiça à comunidade Cachoeira. Entretanto, o acesso continua bloqueado por trincheiras de três metros de profundidade e guardas armados.

Na tarde do último sábado (17), o agricultor Fernando Ferreira Lima, da comunidade Aldeia, que fica na zona rural do município de Formosa do Rio Preto (BA), foi baleado por “agentes de segurança” do Condomínio Cachoeira do Estrondo, um conglomerado agrícola que coleciona crimes ambientais e violência em seu currículo, como reportado anteriormente esse ano pelo Greenpeace Internacional em nosso relatório contagem regressiva para extinção .

O atentado deste final de semana aconteceu enquanto Lima tocava sua pequena criação de gado dentro do território garantido por lei aos comunitários da região. De acordo com informações da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais do Estado da Bahia (AATR), os seguranças abordaram o agricultor e, com arma em punho, exigiram que eles descessem dos cavalos. Diante da negativa, os seguranças atiraram três vezes em direção à Lima, que foi atingido na perna. Outros tiros foram disparados em direção a barriga do animal em que estava montado outro membro da comunidade.

Fernando Lima foi socorrido por moradores locais. (arquivo pessoal)

Fernando foi socorrido por membros da comunidade e, diante da necessidade de atendimento especializado, precisou ser transferido para Palmas, capital mais próxima.

Apesar do histórico do Condomínio Estrondo, grandes empresas parecem não ter problemas em fazer negócios com o empreendimento. Dentro ou próximo de seus limites, as investigações do Greenpeace identificaram silos de armazenamento de soja de grandes negociadores internacionais do grão.

“Em meio a tantas declarações do presidente Bolsonaro, que incitam a violência contra populações indígenas e tradicionais e estimulam o aumento do desmatamento de ecossistemas vitais para conter a emergência climática, empresas precisam agir agora. Grandes marcas globais devem honrar seus compromissos de tirar o desmatamento e conflitos sociais de suas cadeias de produção evitando que esta tragédia anunciada se concretize na região”, diz Rômulo Batista, da campanha de florestas do Greenpeace Brasil.

Estrondo e o histórico de violência 

Este não é o primeiro episódio de intimidação e violência sofrido pelas comunidades que vivem no Vale do Rio Preto, principalmente depois da decisão favorável da justiça, que deu o direito de uso e posse aos comunitários de uma área em disputa com o Condomínio Estrondo.

Em abril de 2017, as comunidades do vale – incluindo Cachoeira, Cacimbinha/Arroz, Gatos, Aldeia/Mutamba e Marinheiro – ingressaram juntas com Ação de Manutenção de Posse coletiva de uma área de 43 mil hectares, no entorno dos povoados, que, apesar de ser habitada há mais de 200 anos, vinha sendo reclamada pela empresa. Depois de passar por diversas instâncias, a terceira câmara cível do Tribunal de Justiça da Bahia confirmou a decisão garantido a vigência liminar de manutenção de posse das comunidades na área, em fevereiro de 2019. Tal decisão nunca foi, de fato, respeitada pela empresa.

Desde então, os moradores das comunidades do vale passaram a viver dias de terror, com intimidação e violência numa escalada de tentativas de criminalizar as comunidades que estão apenas defendendo seu direito de viver em seus territórios tradicionais, como sempre o fizeram.

De acordo com a AATR, há relatos de que a empresa de segurança privada armada contratada pela Estrondo, a Estrela Guia, está envolvida em uma série de atos de intimidação contra a comunidade de geraizeiros, “com apoio ilegal de policiais [locais]”. “As injustiças identificadas incluem invadir casas, deter ou sequestrar ilegalmente membros da comunidade, plantar armas e acusar pessoas de posse ilegal de arma  e/ou disparo de armas de fogo, confiscar gado da comunidade, restringir a circulação nas estradas e participar de várias operações de vigilância intrusivas”.

Em 31 de janeiro de 2019, membros da empresa de segurança atiraram em outro membro da comunidade geraizeira, enquanto ele tentava recuperar o gado apreendido pela propriedade. Alguns meses depois, o presidente da comunidade de Cachoeira foi ilegalmente detido por membros armados da Estrela Guia enquanto procurava gado perdido e o mesmo vem acontecendo sistematicamente com outros membros da comunidade.

Há quase 10 anos, algumas das maiores companhias alimentícias do mundo prometeram parar de produzir e comercializar produtos ligados ao desmatamento até 2020. Entretanto, não chegaram nem perto disso. Elas continuam comprando matérias-primas como soja e gado ligadas à destruição de nossas florestas, savanas e outros ambientes naturais. Continuam comprando de fazendas como a Condomínio Estrondo, mesmo com seu longo histórico de ilegalidades, violência e destruição.

Este é mas um episódio de violência associado ao modelo de produção de soja que, comprada e processada por grandes empresas multinacionais, é transformada em produtos que vão parar na mesa de milhares de consumidores no mundo todo.

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