Novo relatório mostra que nem mesmo a COVID-19 interrompeu a exploração criminosa dos territórios indígenas do Brasil

Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi morto em abril de 2020 em Rondônia, por conta do trabalho que fazia como guardião de seu território © Gabriel Uchida/Kanindé

A mais recente edição do relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil”, editado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), mostrou que a escalada contra os povos originários brasileiros nunca foi tão séria e esteve tão intensa. Em 2020, os dados registrados pela instituição foram, de maneira geral, os maiores dos últimos cinco anos, com aumentos expressivos registrados no número de assassinatos de indígenas e de invasões aos territórios.  

Os assassinatos tiveram um aumento de 61%, com 182 casos registrados em 2020. Roraima (66), Amazonas (41) e Mato Grosso do Sul (34) foram os estados que registraram os maiores números de ocorrências. Os conflitos territoriais também aumentaram, com 96 casos do tipo em 2020 – 174% a mais do que no ano anterior.

As invasões a terras indígenas, identificadas no documento como “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” aumentaram e foram a 263 casos registrados em 2020. Foi um número maior que em 2019, quando foram registrados 256 casos e um aumento de 141% em relação a 2018, que registrou apenas 109 casos. Este foi o quinto ano de aumento consecutivo deste tipo de crime – que, em 2020, atingiu 201 terras indígenas, de 145 povos em 19 estados.

Pandemia 

De acordo com o CIMI, as invasões e a exploração predatória dos recursos naturais seguem o mesmo padrão verificado em anos anteriores. São grupos como madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais que invadem terras indígenas e, além de desmatar e queimar, devastam rios, extraem madeira e garimpam em busca de ouro e outros minérios. Eles apostam na conivência e inação do poder público, que pouco faz para coibir essas atividades criminosas.

A pandemia de COVID-19 foi lembrada no relatório. Segundo levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), mais de 43 mil indígenas foram contaminados e pelo menos 900 morreram por complicações causadas pelo coronavírus em 2020. Grande parte desses mortos foram anciões e anciãs, que levaram consigo parte da cultura, história e saberes de seus povos. Dessa maneira, o coronavírus causou uma perda cultural inestimável para a humanidade.  

Porteira aberta

“O que nós vimos foi que a COVID-19 virou uma espécie de porteira aberta para que as invasões aos territórios indígenas se intensificassem”, disse o missionário Roberto Liegbott, um dos coordenadores do estudo. “O governo brasileiro adotou uma tática de guerra contra os povos indígenas, estabelecendo a violência como o padrão em sua relação com os povos originários”, contou o pesquisador na live de lançamento do relatório.

Liegbott disse que o que acontece no Brasil hoje é sim, um genocídio. “Nunca se invadiu tantas Terras Indígenas quanto agora. Temos um governo que prima pela estruturação de uma antipolítica com diversos pequenos gestos, que vão se acumulando para resultar num produto final, que é o genocídio dos indígenas brasileiros. O governo federal trabalha ativamente para exaurir, esgotar e esvaziar os direitos indígenas. Quando o CIMI denuncia genocídio, é disso que estamos falando”, alertou o pesquisador.

Assessora do CIMI, a pesquisadora Lúcia Helena Rangel, também esteve envolvida na feitura do relatório. “O que percebemos, olhando os dados, é que a curva da violência contra os povos indígenas vem aumentando muito desde 2018. Desde a época de campanha do então candidato Jair Bolsonaro. As falas dele incentivaram uma invasão sem precedentes dentro das terras indígenas. Em 2019 as violências explodiram. Em 2020, aumentaram barbaramente. Tudo leva a crer que, em 2021, esse fenômeno continua”, afirmou.

“Sofremos há muito tempo”

Vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Kopenawa fez um depoimento forte no lançamento do relatório, contando que a situação é crítica para o povo Yanomami: “Vivemos uma situação muito grave. Nossos rios estão todos sujos de mercúrio. Nossas crianças tomam água contaminada e apresentam dor de barriga, coceiras e diarreia. Não temos mais como pescar ou tomar banho. Somos mais de 29 mil Yanomami sofrendo muito. Sofremos há muito tempo e já fizemos muitas denúncias. Nossa mãe terra está sendo destruída e precisamos tirar os garimpeiros daqui”.

Porta voz da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, Carolina Marçal lembrou que vivemos hoje sob um governo que busca abrir as Terras Indígenas para exploração comercial. “O que as autoridades federais querem, e existem outras pessoas e instituições com esse mesmo objetivo, é liberar os territórios indígenas para o capital privado, privilegiando os interesses das grandes empresas do agronegócio, da mineração e aquelas ligadas a grandes grupos econômicos. As atuais políticas não  respeitam a integridade do meio ambiente e os direitos das  populações tradicionais”, disse Carolina.

A especialista lembrou que esta ofensiva conta com forte apoio do poder Legislativo, como atestam a tramitação de Projetos de Lei danosos aos territórios indígenas, como o PL 191/2020, o PL 490/2007 e a discussão sobre o Marco Temporal.   

Outros dados trazidos pelo relatório:

  • Há seis anos nenhuma Terra Indígena é demarcada no Brasil;
  • Existem 1.299 Terras Indígenas identificadas no Brasil. Dessas, 470 são homologadas, demarcadas ou estão oficializadas. As outras aguardam providências do poder público;
  • Praticamente metade dos assassinatos ocorridos em 2020 (182) aconteceram em dois estados: Roraima (66) e Amazonas (41);

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