Para combater as crises do clima e da biodiversidade, precisamos alterar os fluxos financeiros mundiais: o dinheiro deve parar de ir para a destruição e começar a financiar a regeneração

Já está mais do que evidente que o mundo está enfrentando múltiplas crises no que diz respeito ao clima e ao meio ambiente. Somos testemunhas diretas dessa destruição e do sofrimento que ela causa em nossos respectivos países, Brasil e Indonésia, dois países que abrigam ecossistemas vitais para o equilíbrio ecológico do nosso planeta.
Acompanhamos com preocupação, determinação e esperança os esforços internacionais – discussões multilaterais – para proteger e restaurar a natureza. Como parte dos esforços para enfrentar a crise da biodiversidade, quase 200 governos assinaram o Marco Global da Biodiversidade (GBF) em Dezembro de 2022, durante a 15a Convenção de Biodiversidade Kunming-Montreal. Um dos objetivos deste acordo é manter, melhorar e restaurar a integridade e resiliência dos ecossistemas.
Para que este objetivo seja alcançado, precisamos parar imediatamente a destruição da natureza e permitir a recuperação destes ecossistemas. Isto deve aplicar-se não apenas a florestas tropicais como a Amazônia, a Bacia do Congo ou às florestas na Indonésia, mas também a outros ecossistemas essenciais, como o Cerrado e o Pantanal. Esta ação produziria o maior impacto no menor tempo possível. Mas como fazer isso?
Uma reforma drástica do sistema financeiro é urgente

Os compromissos para enfrentar as crises climáticas e de biodiversidade são diariamente minados por um sistema financeiro que prioriza o lucro de empresas poluidoras e de indústrias e projetos que aceleram a degradação ambiental e a extinção de espécies. Bilhões de reais continuam a ser investidos incessantemente em atividades destrutivas.
Portanto, uma reforma drástica do sistema financeiro é fundamental para enfrentar a perda contínua de espécies e ecossistemas, e para diminuir as emissões de gases de efeito estufa. Enquanto o dinheiro continuar a ser direcionado para a expansão das atividades econômicas que levam à destruição da natureza, não seremos capazes de cumprir nenhum dos compromissos assumidos com o nosso planeta (Acordo de Paris e Marco Global da Biodiversidade).
No Marco Global da Biodiversidade, os governos se comprometeram (meta 14) a garantir que todos os fluxos financeiros estariam alinhados com os objetivos e metas de conservação da biodiversidade antes de 2030. Isto significa que os governos precisam controlar melhor os fluxos de dinheiro público e privado.
Os governos precisam melhorar as regulações financeiras existentes e desenvolver novas regras que proíbam os bancos e outras instituições financeiras de direcionar recursos para atividades que prejudiquem a biodiversidade no mundo. Isso deve ocorrer associado a processos mais transparentes e um cumprimento rigoroso das regras, para impedir a destruição da natureza e responsabilizar aqueles que não as cumprirem.
Trilhões de dólares continuam a financiar a destruição de ecossistemas naturais

Desde a seca histórica na Amazônia até as chuvas torrenciais no Sul e outros eventos extremos no resto do Brasil e no mundo, as crise climática e de biodiversidade já estão impactando milhões de pessoas, mas os governos e o setor privado gastam cerca de 3,1 bilhões de dólares por ano em subsídios e investimentos em setores problemáticos e prejudiciais ao meio ambiente, como a pecuária, a exploração de madeira e de óleo de palma, levando à destruição da natureza e a violações dos direitos humanos.
Precisamos de regulações que proíbam bancos, gestoras de investimento, entidades de previdência e outras instituições financeiras de financiarem e investirem em fazendas, projetos e empresas que prejudicam os ecossistemas e as comunidades locais que deles dependem. Povos indígenas e ativistas ambientais continuam a ser atacados, apesar do trabalho vital que realizam para proteger o planeta e combater a crise climática.
Coletivamente, os gastos dos governos mundiais direcionados à conservação da biodiversidade são estimados em apenas 154 mil milhões de dólares por ano, enquanto as estimativas do total de subsídios e outros incentivos perversos à economia da destruição são muito mais elevadas, como já mencionado. O redirecionamento destes investimentos poderia gerar um financiamento importante para as ações que o Marco da Biodiversidade reconhece como vitais para a conservação da biodiversidade. Eles também poderiam garantir uma transição justa em setores como a agricultura industrial e madeireira.
Enquanto os governos preparam os seus planos para implementar os compromissos que assumiram no Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, demandamos a adoção de regras para o setor financeiro, controlar os fluxos financeiros e parar e reverter a destruição dos ecossistemas.
Um crescente movimento popular contra os governos e instituições que destroem a natureza

Há centenas de anos os povos originários e as comunidades tradicionais vem lutando por seus direitos e contra a destruição da natureza. Nas últimas décadas, o movimento popular internacional para defender os ecossistemas naturais vem se fortalecendo, reunindo milhões de pessoas.
Em outubro, centenas de ativistas ambientais bloquearam os escritórios do Rabobank na Holanda e exigiram que o banco deixasse de financiar o agronegócio, e pagasse pelos danos que já foram causados pelos seus investimentos.
O Rabobank, um banco holandês, lucrou milhões financiando empresas que destroem a natureza ao longo de muitos anos, não só no seu país de origem, mas também em outros países, como o Brasil e Indonésia.
Recentemente, muitos outros bancos e instituições financeiras que estão bancando a destruição do nosso planeta têm sido alvo de relatórios e de ações em muitos países em todo o mundo, incluindo JP Morgan, Barclays, Standard Chartered e Deutsche Bank.
É impossível proteger e restaurar os ecossistemas naturais sem enfrentar um sistema financeiro que viabiliza o desenvolvimento de atividades destrutivas e poluidoras e se mantém impune. Os governos devem apresentar planos sérios e com prazos para reformar o sistema financeiro. E para fazer esse enfrentamento e transformar essa realidade será preciso muita pressão da sociedade
Cristiane Mazzetti e Syahrul Fitra são campaigners no Greenpeace Brasil e Greenpeace Indonésia respectivamente.
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