Conversamos com pescadores e marisqueiras que não estão mais conseguindo trabalhar diante das incertezas sobre contaminação dos peixes e mariscos. Eles esperam mais ajuda do governo

O irmão de Normando vendeu apenas três peixes na feira, no final de semana. Normalmente, voltaria pra casa sem nenhum no estoque. Sem vender seus mariscos, Vanusa não tem dinheiro pra comprar outras comidas. E está, ela mesma, comendo os caranguejos que ninguém mais quer. Valéria está aflita porque o peixe era única proteína que a filha comia, mas a menina está com medo de ingeri-los agora.

Os pernambucanos com quem conversei no domingo (27), na região de Suape, estão tendo suas vidas impactadas pelas manchas de óleo que chegam ao Nordeste. As vendas de marisco e peixe, parte importante da economia local, caíram drasticamente porque as pessoas estão com medo de que os animais estejam contaminados com o petróleo cru que assusta o Brasil inteiro. Eles estão desanimados com as perspectivas de futuro e esperam alguma ajuda do governo.

A região de Suape e de ilha de Cocaia, onde estivemos, foi a que recebeu a maior quantidade de óleo de todo o litoral do Cabo de Santo Agostinho. Só no sábado passado, foram retiradas 160 toneladas. A região tem uma extensa faixa de arrecifes de corais e muitos mangues – o que justamente a torna um bom lugar para a pesca de peixes e mariscos.

“É desespero. Eu posso dizer pra você que, para nós pescadores, é desespero. Quando a gente para de coletar [o óleo das praias], tenta dormir e não consegue porque pensa: ‘será que amanhã vai ter de novo?’. Aí quando chega na praia, tem lá novos fragmentos”, diz Ednaldo Rodrigues, conhecido como Nal Pescador e representante da Associação de Pescadores e Pescadoras Profissionais do Cabo de Santo Agostinho.

O óleo tem chegado há dias em pequenas quantidades no litoral de Pernambuco. Os fragmentos se misturam na areia e a limpeza é difícil. É preciso peneiras e muita paciência. Nal enfatiza que a sujeira do óleo não está resolvida, não. Todo dia, as ondas trazem esses fragmentos. “E eu não vejo empenho do governo federal nesse sentido”, diz.

O seguro-defeso não é uma saída realista para a maioria dos pescadores e marisqueiras porque são poucos os cadastrados. O medo de ficar sem dinheiro ronda todos. Segundo Nal, na região de Gaibu, dos cerca de 2 mil pescadores e marisqueiras, apenas 15 têm direito ao seguro-defeso.

“Eu nem imagino como isso vai ficar. A maioria daqui é pescador. Se não acabar logo com o problema, a gente não sabe nem o que vai fazer. É esperar, comer o que tem. E quando não tiver mais, é passar fome”, me disse, em tom desolado, seu Normando Sebastião de Santana. Ele é a sexta geração de pescador em sua família, e nos levou em seu barco pelo litoral de Suape por algumas horas. No caminho, foi apontando pequenas manchas de óleo num mar de cor verde clara. Nal, que estava conosco no barco, foi coletando os fragmentos com uma pequena rede.

Nal nos contou que, dias atrás, foi a rede de pesca que conteve boa parte do petróleo que chegou do alto-mar para a praia em Suape. Pescadores se uniram a funcionários do Porto de Suape e usaram a tecnologia que eles dominam. A rede já tinha sido recolhida quando chegamos. O que passou de óleo aqui foi antes da barreira. “Essa ideia valeu muito. Pena que não deu pra pegar antes”, lamentou.

Saúde em risco

Não é só no bolso que o óleo trouxe problemas. Foram pessoas como Valéria, Vanusa, Normando e Nal, entre tantos outros, que limparam as praias nos primeiros momentos em que a mancha apareceu. E, num instinto de urgência, muitos fizeram isso sem os EPIs (Equipamento de Proteção Individual), porque ainda não estavam disponíveis. Eles reclamaram da demora na chegada dos equipamentos e muitos sentiram impactos na saúde.

Ainda hoje, na região de Suape, eles estão com pouca ajuda de voluntários limpando os mangues. São os próprios pescadores e marisqueiras que estão lá. Quando encontramos Vanusa Maria de Santana e Valéria Maria de Alcântara, elas traziam um saco de piche tirado ao longo da manhã no mangue.

Valéria sentiu efeitos do óleo antes mesmo de saber que ele estava na água. “Faz 15 dias que eu vim pescar, peguei meu pescado, tudo direitinho, mas nesse mesmo dia eu fiquei intoxicada. Aí falaram que foi alimentação. Eu disse que não. Tinha comido peixe e batata-doce. E voltei da pesca para casa toda empolada. Dois dias depois, chegou a notícia de que o óleo tinha chegado aqui.” Ela conta que depois de passar mal, avisou a CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos) e não foi ouvida.

Valéria contou também que sua prima não conseguiu vender os mariscos nos últimos dias e está com vergonha da atividade porque as pessoas acham que eles estão contaminados.  “Eu disse ‘vc não tem que ter vergonha, porque não foi você quem fez isso. Você tá trabalhando como sempre trabalhou. Vergonha é o que aconteceu”, afirma.

Perguntei a todos eles o que eles gostariam que pedir às autoridade nesse momento. A ajuda do governo, seja no apoio à limpeza das praias, seja no auxílio ao seguro-defeso, é um deles. O respeito à natureza foi outro.

“Eu pediria que o Governo Federal e Estadual seja mais sensível às causas ambientais. Que eles entendam que o mar, a floresta, se acabar de existir, eles também acabam. Não vai ter geração pros filhos deles, pros nossos filhos, pros nossos netos”, disse Nal. “O mar é coisa mais linda do mundo. Quero que cuidem da natureza. Ela merece”, complementa Vanusa.

Já Valéria lembrou que “somos todos seres humanos”. “Independentemente se eu sou nordestina ou não, eu sou um ser humano, eu também tenho carne, meu sangue também é vermelho. E pode ser que uma pessoa do Sul precise de um sangue e o nordestino doe pra ele. Somos seres humanos e merecemos dignidade e respeito, mais nada”.

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