A luta dos extrativistas assassinados há 10 anos deu origem a uma organização que defende hoje mais de 30 lideranças ambientais

Claudelice tem usado sua voz para honrar o legado de seu irmão e cunhada e defender a floresta. Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace

Foi em 24 de maio de 2011 que os extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo foram assassinados na cidade de Nova Ipixuna, no Sudeste do Pará.

Zé Cláudio e Maria, como ficaram internacionalmente conhecidos, eram castanheiros e reconhecidas lideranças do Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira. Denunciavam invasões e roubo de madeira e, por contrariar interesses de grileiros e madeireiros que queriam destruir a floresta, foram mortos.

Determinada a manter o legado do irmão assassinado e da cunhada, Claudelice dos Santos, 39, assumiu as suas lutas com o intuito de manter vivo o sonho de exploração sustentável da floresta, de mobilização popular e de educação ecológica e inclusiva. 

Um dos frutos desta luta nasceu oficialmente semana passada: o Instituto Zé Cláudio e Maria, que atua na defesa de lideranças amazônicas ameaçadas de morte e na educação de populações tradicionais do sudeste do Pará. Claudelice é coordenadora deste instituto, que hoje dá assistência a mais de 30 pessoas por toda a Amazônia.

Números   

“A violência no campo piorou muito nesta última década. Os números dizem isso. O clima que a gente vive, as coisas que a gente ouve, só perdem pro que a gente viu na década de 80, período que mais teve massacre de lideranças”, disse Claudelice.

O relatório Violência no Campo 2019, editado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), confirma o que ela diz. Foram 1.833 conflitos no campo naquele período; 23% a mais que no ano anterior e o maior índice registrado nos últimos 14 anos. Só os conflitos causados por terra foram 1.206 ocorrências – número que não era verificado desde 1985 (!). Segundo a Global Witness, o Brasil é o terceiro país mais letal do mundo para ativistas ambientais. Foram 28 assassinatos em 2019, quatro a mais que em 2018.  

“Temos um protocolo de apoio para defensores que estão se sentindo sozinhos e que não têm assistência nenhuma. Nós movimentamos redes de suporte, damos apoio material, financeiro, médico e psicológico, instalamos câmeras nas casas, ajudamos com deslocamentos… O programa de proteção que existe no Brasil não funciona e isso é muito grave”, contou. 

Claudelice disse que, dez anos após a morte de seus familiares, a violência contra as lideranças ambientais é maior e mais sofisticada: “As violências hoje são muito mais cruéis. Elas passam pela desumanização dos defensores da terra, dos direitos humanos. Então você é xingado, rotulado de coisas como vagabundo. Somos criminalizados. Se não nos atingem, começam a assediar nossos familiares. Sofremos um estigma e somos levados a um nível de tensão que beira o absurdo”.

Uma das mais graves e recentes ameaças que sua família sofreu ocorreram no final de 2019, quando foi postada, na caixa postal da mãe dela, um bilhete escrito à mão “Nós vamos matar o resto”. No final do ano passado, seu carro foi perseguido e quase capotou para fugir de uma caminhonete suspeita. Na ocasião, quem estava no veículo eram a filha e a sobrinha de Claudelice. Ela teve que trocar de carro após o ocorrido.

Romaria

A importância do cooperativismo é um dos grandes temas do trabalho de Claudelice no Pará. Foto: Divulgação/ Instituto Zé Claudio e Maria

Outro front de trabalho do Instituto Zé Cláudio é a formação popular, que se dá por meio de encontros que buscam disseminar temas como sistemas agroflorestais, educação voltada para a ecologia, cooperativismo e associativismo. Este trabalho é feito principalmente através de um grupo de mulheres, o Grupo de Trabalhadoras Artesanais e Extrativistas (GTAE) do Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira.

A memória de Zé Cláudio e Maria aparece também, com muita força, na edição 2021 da Romaria dos Mártires – uma procissão realizada anualmente em Marabá (PA) que celebra aqueles que doaram suas vidas em defesa da vida de outras pessoas. Desde 2014, o casal de extrativistas é lembrado na programação do evento.

Este ano, contudo, marca uma década do duplo homicídio, e os dois castanheiros viraram temas de webinars, rodas de conversa e podcasts. É possível conhecer a programação completa da Romaria aqui

Justiça

O fazendeiro José Rodrigues Moreira, o mandante do assassinato de Zé Claudio e Maria, está foragido desde 2013. Em 2016, o Tribunal do Júri do Pará o condenou a 60 anos de prisão após a anulação de um julgamento em 2013 que o absolveu do crime. Os executores, Alberto Lopes do Nascimento e Lindonjohnson da Silva Rocha, estão presos. Lindonjohnson chegou a fugir da Penitenciária Mariano Antunes, em Marabá (PA) em novembro de 2015, mas foi recapturado em agosto do ano passado. 

“No nosso cotidiano, nós lidamos muito com o medo. Mas se a gente temer a gente não vai ter a Justiça que queremos. Queremos a prisão de todos os envolvidos e uma Justiça que se ocupe da reparação de danos – que não reproduza narrativas que criminalizem os defensores ambientais, que zele e respeite os tratados internacionais que o Brasil assinou e que devolva a dignidade que é roubada das pessoas que são submetidas a este tipo de situação”, contou Claudelice.  É possível conhecer mais sobre o Instituto Zé Cláudio e Maria entrando em contato via [email protected] ou acompanhando a organização nas redes sociais

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