Acabar com carvão, petróleo e gás imediatamente é fundamental para o enfrentamento da crise climática e limitar o aumento da temperatura global em 1,5 °C
O primeiro rascunho do texto final de Glasgow é completamente falho ao não mencionar o fim dos combustíveis fósseis, apesar do consenso de especialistas sobre a necessidade de acabar com o carvão, petróleo e gás imediatamente para cumprir as metas do Acordo de Paris, e limitar o aquecimento do planeta em 1,5 °C até 2100.
Devido à intervenção de interesses do setor e de países ricos em combustíveis fósseis, a primeira versão do texto oficial, publicada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), não reconhece que essas fontes de energia suja estão impulsionando a crise climática e, dessa forma, não assume qualquer compromisso com ações efetivas para acabar com o uso global de carvão, petróleo e gás. O texto é limitado e tem apenas 850 palavras.
Ativistas de todas as partes do mundo estão preocupados pois, normalmente, o primeiro rascunho de um texto da COP tende a ser mais ambicioso e se torna mais fraco na segunda semana da conferência, à medida que os países trabalham em proteger seus interesses. A primeira versão do texto assim tão fraca não é um bom presságio.
Essa completa omissão ocorre apesar do fato de especialistas da Agência Internacional de Energia terem deixado claro que não há como existir novos projetos de combustíveis fósseis, além dos já em andamento, se quisermos evitar catástrofes ainda maiores provocadas pelo superaquecimento do planeta.
Após o lançamento do relatório mais recente do IPCC, em agosto deste ano, o Secretário-Geral da ONU disse que a ciência climática deve ressoar como uma “sentença de morte aos combustíveis fósseis”.
Manifestações contra os defensores de energias sujas
O Greenpeace, junto a ativistas de todo o mundo, pede que os negociadores enfrentem os países produtores de combustíveis fósseis, como a Arábia Saudita (petróleo) e a Austrália (carvão), que bloqueiam as negociações para impor seus interesses. A redução dos combustíveis fósseis vem sendo obstruída nos últimos 25 textos das COPs e a manutenção da atual proposta seria corroborar com esse contrassenso..
O que precisamos para a última semana da COP26?
Ainda que a perspectiva seja negativa, para essa semana em Glasgow, os indicadores de sucesso são os seguintes:
• As negociações devem limitar o aumento da temperatura global a 1,5 ° C, ou os líderes não assinarão um pacto climático, mas uma sentença de morte para muitos países.
• O texto do acordo deve se comprometer com a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, ou não atingirá a meta 1,5 C°.
• Cumprir esses objetivos significa não permitir trapaças, ou buscar brechas, como mecanismos de compensação e falsas soluções (como mercado de carbono).
• Os negociadores devem superar o retrocesso imposto por países como Arábia Saudita, Austrália e, infelizmente, o que foi apresentado pelo governo brasileiro, um campeão de falsas soluções.
• Os países mais vulneráveis às alterações do clima devem receber ajuda financeira dos países mais ricos, os maiores responsáveis pela crise climática.
Ativismo na COP26
Jennifer Morgan, Diretora Executiva do Greenpeace Internacional, esteve em todas as COPs e em todas as vezes a menção aos combustíveis fósseis foi bloqueada pelos mesmos países.
Ela disse: “O que é muito preocupante aqui em Glasgow é que o primeiro esboço do texto do pacto climático já é excepcionalmente fraco. Normalmente, o texto começa com alguma ambição, que depois se dilui. “Para manter o 1,5 °C vivo, quatro palavras devem ser adicionadas: ‘fim dos combustíveis fósseis’ e os países devem voltar no próximo ano para resolver essa pendência.”
Edwin Namakanga, de 27 anos, de Uganda, é um ativista climático do Fridays for Future que chegou à COP a bordo do navio Rainbow Warrior do Greenpeace na semana passada com uma mensagem para os líderes mundiais: “Parem de falhar conosco”.
“O resultado de Glasgow deve ser o fim dos novos combustíveis fósseis e deve haver apoio financeiro adequado para os países do Sul Global. Precisamos de solidariedade e uma transição justa para as energias renováveis, porque qualquer coisa a menos é uma sentença de morte para povos, países e áreas inteiras”, afirmou Edwin.
Na semana passada, a força-tarefa para escalonar os Mercados Voluntários de Carbono, liderada pelo enviado especial para Ação Climática e Finanças da ONU e ex-diretor do Banco da Inglaterra, Mark Carney, foi amplamente criticada como uma operação greenwash, ou maquiagem verde, em português. Ativistas do Greenpeace fizeram um protesto para interromper o evento.
Negociações ameaçadas
No fim de semana, a Arábia Saudita foi criticada por tentar impor seus interesses de defesa do petróleo na proposta do texto final e tentar bloquear esforços para alcançar o progresso em relação a medidas de adaptação.
Um pilar fundamental do Acordo de Paris, a adaptação às mudanças climáticas, é o esforço para ajudar milhões de pessoas em todo o mundo a lidar com os impactos do aumento das temperaturas. A falta de progresso nesse tema tornaria difícil para os países vulneráveis, incluindo o bloco de nações africanas, abraçar qualquer acordo final, tornando o sucesso na COP26 menos provável.
O governo saudita (assim como o Brasil) já tentou influenciar em um relatório de ciência climática da ONU, que será lançado em março do próximo ano. A BBC e o Unearthed, um projeto de jornalismo investigativo do Greenpeace Reino Unido revelaram que representantes do ministério do petróleo saudita pressionaram os autores do sexto relatório de Avaliação do IPCC sobre mitigação para remover uma referência que descobriu que os combustíveis fósseis precisam ser eliminados se quisermos evitar os piores efeitos do clima mudança. O Reino da Arábia Saudita é um dos maiores exportadores de petróleo do mundo.
E hoje, o Global Witness revelou que há mais delegados na COP26 associados à indústria de combustíveis fósseis do que de qualquer outro país. Os lobistas de combustíveis fósseis superam a representação indígena oficial da UNFCCC em quase dois para um.
Próximos passos
Já estamos na metade da COP26 e os países anunciaram, até aqui, compromissos voluntários, vagos e cheios de lacunas. Os negociadores em Glasgow têm apenas mais cinco dias para chegar a um acordo de como os países enfrentarão a crise climática e definir um texto final para a assinatura dos países.
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