Enquanto o Esperanza registra as primeiras imagens dos Corais da Amazônia, nossa equipe em campo percorre belezas naturais do litoral do Amapá que também podem ser impactadas pela exploração petrolífera na Bacia da Foz do Amazonas. Conheça um pouco mais sobre o Parque Nacional do Cabo Orange
O barco de casco vermelho, de construção em madeira, como a maioria das embarcações na Amazônia, aguardava-nos no meio do Rio Oiapoque, que divide Brasil e Guiana Francesa. Precisávamos esperar pela entrada da maré, quando a via fica navegável.
Peixe-boi é o nome do barquinho corajoso, que possibilita que os profissionais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) realizem o gigantesco trabalho de proteger os 619 mil hectares do Parque Nacional do Cabo Orange. “Ele permite que a gente acesse todas as regiões do parque e fique bastante tempo em campo, fazendo levantamentos, como contagem de pássaros, e trabalhos com as comunidades”, conta com ternura o biólogo Ivan Vasconcelos, um dos três profissionais responsáveis pelo parque.
Valmir, o capitão, diz que entre os pescadores predatórios a embarcação é conhecida como “Bicho feio”. Quando Peixe-boi está na área, ou corre ou cai na rede da fiscalização. O Parque Nacional do Cabo Orange é uma reserva protegida por lei. O imenso mangue, estuários e seus igarapés são fundamentais para a reprodução de peixes marinhos. Então não se pode pescar em escala industrial na boca dos rios Oiapoque e Cassiporé.
As quatro horas da madrugada, o mar já havia subido o rio, e partimos em uma viagem tranquila, no embalo do barulho do motor, sob a vigia de um céu cheio de estrelas, através dos caminhos abertos pela maré. Amanhecemos no meio do caminho, na ilha dos papagaios, e com o sol já forte, nos aproximamos do enorme delta.
Nessa parte, a calmaria do rio dá lugar a inquietude do mar. As ondas cor de café com leite, temperadas com os sedimentos da Amazônia, formam ondas cada vez mais fortes. As quais o valente Peixe-boi vai vencendo, uma a uma.
Em Oiapoque contam que, certa vez, a frente de um enorme objeto espacial apareceu boiando pelos rios do Cabo Orange. O pedaço fazia parte de um foguete disparado pela França em sua base espacial, em Kourou, na Guiana Francesa. Ejetado na atmosfera, caiu no oceano, mas foi levado pelas correntes para dentro do parque.
“Um acidente com óleo aqui seria terrível, porque a maré sobe, traz o óleo, e quando desce o óleo fica na lama. Toda essa floresta morreria”, conta Ivan, mostrando o mangue.
As companhias petrolíferas dizem que, em caso de acidente, podem responder em até 15 dias, mas que o óleo se espalharia pelo Caribe – como se isso tornasse a coisa melhor. Chacoalhando nessa maré, sinto-me mais inclinada a concordar com os locais, que dizem que o que acontece no mar, acontece no mangue, acontece rio acima.
Essas pessoas que vivem aqui há gerações sabem de algo que não sabemos. Viveram algo que podemos apenas imaginar. Muito antes que os cientistas pudessem comprovar a existência dos Corais da Foz do Rio Amazonas, por exemplo, os mais velhos já sabiam os pontos ricos em pesca e diziam que existia algo naquele pedaço de mar que fazia os peixes aparecerem em profusão, contam por aqui.
Enquanto avançamos pelo mar que contorna o Cabo Orange, as ondas ficam cada vez maiores e começo a me preocupar, o barquinho de madeira talvez possa não aguentar. “Não se preocupe, o mar está tranquilo”, diz Valmir. Não tenho motivos para duvidar.
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