Estamos navegando durante mais de 50 horas para percorrer os 620 km de Manaus até Tefé, nossa primeira parada da expedição que está transportando ajuda emergencial para os povos indígenas

Estamos a caminho de Tefé, nossa primeira parada dessa viagem do Asas da Emergência, que vai entregar mais de 21 toneladas em ajuda emergencial por cidades do Rio Solimões © Marcos Amend / Greenpeace

24 de agosto de 2020 – segunda-feira

A primeira noite a bordo foi incrivelmente fria. Já havia passado por experiências assim na Amazônia, quando estive a trabalho em terras indígenas em Rondônia e no Maranhão. Mas nos rios amazônicos foi a primeira vez que passei tanto frio. A friagem que essa massa de ar trouxe alguns dias atrás para a maior floresta tropical do mundo, somada ao vento contínuo, fez com que nos sentíssemos na região Sul do Brasil, em pleno inverno. E não estou exagerando. Alguns de nós nem conseguiram dormir. Foi “frio, frio, frio” (como dizem por aqui quando querem intensificar algo). 

Sob um soberano sol, durante toda a manhã foi possível ver na margem esquerda do Solimões muitas áreas desmatadas, inclusive algumas fazendas de gado. Ainda estávamos próximos a Manaus, pois estamos navegando com uma velocidade média de 13km/hora. Isso significa que até chegarmos em Tefé, nossa primeira parada, a 620 km de Manaus, serão mais de 50 horas navegando. Interessante notar que leva apenas uma hora para voar de Manaus para Tefé. 

Tamanha diferença de tempos dá uma dimensão da complexidade logística da região e das dificuldades de quem vive no interior, nas áreas de mais difícil acesso, ter respeitado seus direitos fundamentais, como o direito à saúde. É exatamente essa a situação dos povos indígenas, bastante agravada agora no contexto de pandemia da Covid-19. 

Numa entrevista no sábado, antes da partida da nossa expedição, já no porto, Nara Baré, da Terra Indígena Alto Rio Negro, coordenadora-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), fez a seguinte reflexão:   

“Tem muita gente que não faz a mínima ideia de como é aqui. Por exemplo, para que se faça esta entrega, para que esta ajuda humanitária chegue às populações do Rio Solimões, serão quase dez dias de barco. Dez dias! Imagina o que são dez dias, num momento como este da pandemia em que o tempo é nosso inimigo. Há lugares remotos em que só se chega de avião pequeno, de helicóptero. E há pessoas lá que precisam dessa ajuda porque o vírus chegou”.  Nara ainda disse: “quando esta ajuda chegar, ela será muito bem-vinda, porque é necessária”. 

As quase 22 toneladas de equipamentos hospitalares e materiais de higiene e proteção que transportamos nesta expedição foram doações feitas por diversos parceiros do Asas da Emergência, como a Coiab e os Expedicionários da Saúde (EDS), além do Greenpeace. 

Faça sol ou faça chuva, nossa missão é seguir Solimões acima e entregar esses materiais para as lideranças indígenas e os representantes das organizações parceiras nos oito portos, até chegarmos ao nosso destino final, em Tabatinga.

Barco, nosso calmo lar 

Durante essa semana o simpático barco “Samara Lopes XII” será nossa morada.  Denominado de “barco regional”, ele também é chamado de “recreio” quando faz o transporte de linha, seja de passageiros ou carga, entre as cidades. Embarcação bastante comum em toda a Amazônia, o barco regional tem a proa (parte da frente) e a popa (parte de trás) arredondadas, o que o torna muito diferente das quadradas “gaiolas”, típicas na região do Rio São Francisco. 

Geralmente, esses barcos são feitos de itaúba, madeira muito utilizada na construção de embarcações devido à sua durabilidade. Se bem cuidados, eles podem chegar a 60 anos. Um de seus comandantes, Nelinho, me conta que, infelizmente, a itaúba não é mais tão comum como antes. “É o desmatamento!”, lamenta. 

Com apenas oito anos, o “Samara Lopes XII”, ainda é uma criança. Mas mesmo este curto período de tempo é suficiente para perceber que muitas mudanças ocorrem na Amazônia. Com a experiência de quem nasceu e viveu na beira do Solimões a vida toda, Nelinho explica que tudo aqui está profundamente conectado. 

“Por exemplo, quando as águas sobem, ocorrem muitos desmoronamentos e essas terras formam novas praias, que surgem a cada ano. Se acontece alguma coisa importante lá na cabeceira do rio, a gente percebe aqui embaixo. Então, a gente sabe desde pequeno que precisa cuidar de cada pedaço dos rios e das matas”, alerta ele. 

Acolher a sabedoria da população nativa e dos povos da floresta nos abre caminhos seguros rumo a uma sociedade mais equilibrada, que preza pelo respeito à vida e pela continuidade da nossa existência nesse planeta. Um sol excessivamente vermelho se põe por trás da floresta, na margem direita do rio.

Acompanhe como foi o 1º dia do Diário de Bordo do Asas Da Emergência.

 

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