No interior do Acre e do Amazonas, lideranças precisam sair do território para lutar pelo direito à vida e pela saúde de seu povo

“A gente quer lutar contra esse vírus até a última respiração”. A frase foi dita por Wallace Apurinã, coordenador da Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi (Opiaj), no município de Pauini, sul do Amazonas, durante uma conversa que tivemos com ele quando da entrega de doações transportadas pelo projeto Asas da Emergência – iniciativa que visa apoiar a luta dos povos indígenas da Amazônia no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. 

A fala de Wallace carrega o peso de séculos da história de resistência dessas populações que seguem lutando contra inaceitáveis violações de direitos. A pandemia é mais uma ameaça entre uma avalanche de violências e, em poucos meses, já levou centenas de almas que com elas carregaram parte da cultura, do conhecimento e da história dos povos da Amazônia. 

Entre os dias 28 de julho e 1 agosto, uma equipe do Asas da Emergência voou para algumas cidades de regiões conhecidas como Alto Purus e Alto Juruá, próximas à fronteira com o Peru. Durante as entregas das doações, foi possível ouvir de lideranças indígenas um retrato ampliado de como seus povos estão enfrentando a pandemia no chão da floresta. 

Durante a viagem foram entregues 2.3 toneladas de doações nos municípios de Jordão, Marechal Thaumaturgo e Santa Rosa do Purus, no Acre, e Pauini, no sul do Amazonas. Entre os itens estavam cilindros e concentradores de oxigênio, geradores de energia, álcool em gel, materiais de higiene, máscaras cirúrgicas, entre outros. As doações poderão contribuir com o atendimento de pelo menos 13.150 indígenas que vivem na região.

Ajustes de um caminho

Com o processo de interiorização da Covid-19 para áreas remotas, em lugares onde o acesso só é possível de barco ou de avião pequeno, o Asas da Emergência mudou sua estratégia de ação. Além de continuar levando materiais para a prevenção, o projeto passou a apoiar a montagem das enfermarias de campanha. Chamadas de Uapi (Unidade de Atenção Primária Indígena), essas enfermarias são estruturas já existentes ou em construção, próximas às aldeias ou dentro dos territórios, que estão sendo equipadas para o atendimento de casos leves e moderados da doença, permitindo assim o tratamento dentro das comunidades e ajudando a evitar a ida das populações indígenas para as cidades. 

É importante destacar que o rumo que direciona a proa deste grande esforço de solidariedade nunca foi definido de forma solitária. “Tanto os povos indígenas como todo o movimento indígena têm sido grandes protagonistas da mobilização dessa rede de solidariedade para enfrentar a pandemia. A Coiab, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, é parte importante dessa articulação e nos auxilia a direcionar a ajuda de acordo com o que é urgente no momento”, explica Carol Marçal, da Campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil.

A cada nova pista onde pousamos no interior dos estados do Amazonas e Acre, ouvimos de lideranças indígenas que, apesar do desejo de não deixar as aldeias, sair do território tem sido necessário. Alguns representantes passaram a fazer a ponte entre seu povo e os centros urbanos para necessidades como comprar mantimentos, recolher benefícios, dialogar com o poder público local, receber as doações que têm sido essenciais ao enfrentamento da doença e, principalmente onde o vírus já chegou, lutar por seus direitos de levar o mínimo de assistência de saúde para os territórios. 

“Apesar de tudo o que estávamos vivendo, eu tive que arrancar forças dos ancestrais e provar que eu estava junto com meu povo. Eu sou parte deles e eles são parte de mim. Na minha aldeia, a gente tem uma estrutura onde a gente isolou quem estava contaminado, mas sem deixar de cuidar uns dos outros. Nós fizemos todo um planejamento de quem iria pescar, caçar e as mulheres mais velhas ficaram responsáveis por fazer os medicamentos do conhecimento tradicional que ajudam a aumentar a imunidade. Além disso, as doações também têm sido muito importantes. E eu, como líder, é fundamental que eu venha para a cidade para reivindicar nossos direitos e continuar articulando parcerias para esse apoio”, explica Wallace Apurinã, coordenador da Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi (Opiaj).

Cada povo vive uma realidade singular, e foi por isso que cada um encontrou um modo muito particular de enfrentar a chegada avassaladora da pandemia. Na segunda parte desta reportagem, saiba como os Huni Kuĩ se articularam localmente para lidar com o medo trazido pela Covid-19, as estratégias dos Ashaninka para barrar a chegada do vírus no território e o impacto do medo nas aldeias, pela visão dos Apurinã.

Sem a ajuda de pessoas como você, nosso trabalho não seria possível. O Greenpeace Brasil é uma organização independente - não aceitamos recursos de empresas, governos ou partidos políticos. Por favor, faça uma doação hoje mesmo e nos ajude a ampliar nosso trabalho de pesquisa, monitoramento e denúncia de crimes ambientais. Clique abaixo e faça a diferença!