A luta por justiça climática precisa incluir no debate o enfrentamento das desigualdades

Vista do alto, em primeiro plano, lama sobre casas soterradas no litoral norte de São Paulo e voluntário do Greenpeace Bertioga identificado com colete e boné com o logo da organização está de costas. No horizonte, algumas casas destruídas, mas ainda de pé. E ao fundo, morros com vegetação, mas com aberturas marcadas por buracos de terra que derrubaram as árvores após deslizamentos.
Os moradores da Vila Sahy, local mais impactado no litoral norte de São Paulo após fortes chuvas, em fevereiro de 2023, viram suas casas serem soterradas e vidas serem ceifadas pela falta de políticas públicas de prevenção e adaptação para garantir cidades seguras. © Diego Baravelli / Greenpeace

O Greenpeace Brasil está entre as 140 organizações da sociedade civil do movimento negro, ambientalista, de pesquisa, reforma urbana e dos direitos humanos, que publicaram hoje uma carta que ressalta a importância de políticas públicas de adaptação para as pessoas negras, indígenas, quilombolas e periféricas. São essas as populações que foram historicamente obrigadas a viver em áreas que estão sob o maior risco de desastres, em uma realidade impactada pela crise climática e abandono do poder público.

Em um momento em que parlamentares anti-socioambientais lideram uma tentativa de esvaziar os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, em depoimento à Folha de S. Paulo, o comunicador Igor Travassos, que integra a Articulação Negra de Pernambuco e a Coalizão Negra por Direitos, destaca que o lançamento da carta “demonstra que a sociedade civil, as organizações de direitos humanos, antirracistas e ambientais continuarão pautando o fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima“. 

Daqui a poucos dias, completa-se um ano do maior desastre ocorrido em Pernambuco no século XXI, quando na semana de 28 a 31 de Maio de 2022, mais de 122 mil pessoas ficaram desalojadas, 68 mil habitações foram danificadas e 3 mil destruídas após fortes chuvas. E as vítimas dessa tragédia, assim como muitas outras no Brasil, têm cor, escolaridade e renda.

O estudo “Racismo ambiental e justiça socioambiental nas cidades”, publicado em julho de 2022 pelo Instituto Pólis, trouxe um retrato de quem são as pessoas mais expostas a enchentes, inundações e deslizamentos em algumas cidades brasileiras, entre elas, Recife (PE). Na capital pernambucana, onde 55% da população é negra, nas áreas com risco de deslizamento essa quantidade aumenta para 68%, e em áreas com risco de inundação, 59%

Esse é um cenário que se repete em tragédias como as que aconteceram em Petrópolis (RJ), BahiaMinas Gerais e litoral norte de São Paulo. 

Para mudar essa realidade é necessário que as autoridades locais e nacionais reconheçam as desigualdades raciais e territoriais no contexto de cada região e desenvolvam políticas de combate, redução e/ou limitação dos impactos das mudanças climáticas. A isso se dá o nome de adaptação

As medidas de adaptação devem garantir a segurança das pessoas que têm sido mais vulnerabilizadas historicamente pela falta de acesso a políticas públicas e direitos, pela crise climática e pela desigualdade. Além disso, é necessário investir em infraestrutura urbana para garantir moradia segura para essas populações.

Precisamos pressionar as autoridades a agir de maneira efetiva, criando políticas públicas que incentivem uma adaptação antirracista e a mitigação dos efeitos da crise climática. As políticas de adaptação devem garantir o direito à moradia digna e segura, a serviços básicos como água e saneamento, e criação de áreas verdes e espaços públicos de lazer e convivência. Além disso, precisam incluir medidas de proteção das áreas que estão em risco, e investir em ações como  a instalação de sistemas de alertas, sirenes e planos de fuga, que devem ser construídos em conjunto com as pessoas atingidas. 

Glossário da adaptação: segue a explicação de alguns termos que vão aparecer com frequência daqui pra frente quando falarmos de enfrentamento das desigualdades, da crise climática e tratarmos da necessidade de elaboração de soluções para áreas de risco.

Racismo ambiental: refere-se às desigualdades históricas que se repetem quando falamos de quem mais sofre com as consequências da destruição ambiental, como chuvas fortes, secas intensas, enchentes e deslizamentos. São as pessoas negras, indígenas, quilombolas e periféricas, que já estão excluídas do acesso a direitos fundamentais, que também são as mais afetadas num cenário de crise climática.

Adaptação: as medidas de adaptação aos eventos extremos estão diretamente relacionadas com o quanto o poder público brasileiro está empenhado em destinar recursos para subsidiar boas condições de infraestrutura urbana, moradia, segurança alimentar, centros de saúde, entre outros direitos básicos, a fim de garantir capacidade de resiliência para a sociedade, em especial à população em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Plano Nacional de Adaptação (PNA): conjunto de diretrizes que orientam estratégias e metas para que o poder público coloque em prática medidas que reduzam os riscos da crise do clima, que traz com ela eventos climáticos cada vez mais intensos – como fortes chuvas e secas extremas. O PNA precisa ser revisado, pois a versão atual não aprofunda a discussão sobre desigualdades e o quanto essas desigualdades fazem com que populações negras, periféricas e indígenas se tornem mais vulneráveis aos riscos climáticos. E as soluções para adaptar os territórios precisam ser elaboradas e implementadas com a participação das pessoas mais atingidas.

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