O Greenpeace anunciou  na semana passada, no dia 17 de outubro, que está se retirando do Grupo de Trabalho do Cerrado (GTC). Criado em 2017, o grupo tem se dedicado a discutir a expansão do cultivo de soja e seus impactos sobre o Cerrado brasileiro, em busca de um acordo que concilie produção agrícola com a conservação de uma das savanas mais ameaçadas e mais ricas em biodiversidade no planeta.

Ele foi criado como um desdobramento do Grupo de Trabalho da Soja (GTS), que implementa a Moratória da Soja na Amazônia, e conta com a participação de grandes empresas  comercializadoras de soja, empresas consumidoras internacionais, organizações da sociedade civil e representantes do governo. A Moratória contribuiu para derrubar em 80% os índices de desmatamento médio anual em 95 municípios da região da soja  na Amazônia, sem impactos negativos na produção.

Vista aérea do município de Balsas, Maranhão, durante sobrevoo pelo Cerrado brasileiro, um bioma que já perdeu em torno de 50% de sua formação original devido à expansão do agronegócio.

As ONGs que participam do GTC apontaram desde o princípio a necessidade de que as  empresas que compram soja e carne do bioma se  comprometam com medidas concretas para eliminar o desmatamento de suas cadeias produtivas, a exemplo do que ocorre na Amazônia. Essa exigência foi apontada em um manifesto em defesa do Cerrado divulgado em setembro de 2017 por diversas ONGs, incluindo o Greenpeace. A visão de produção livre de desmatamento também foi apoiada por 115 empresas ligadas ao Consumers Goods Forum (CGF), grupo que reúne grandes consumidores mundiais de soja e investidores internacionais. Em carta enviada ao GTC, essas empresas pediram “um acordo robusto de conversão zero a ser estabelecido pelo GTC até o final de 2018”. As empresas ressaltaram que seus fornecedores no Brasil já tinham demonstrado que isso é plenamente viável com a iniciativa bem sucedida da Moratória da Soja.

No entanto, a Abiove, que coordena o setor empresarial do GTC, descartou a adoção de uma moratória para o Cerrado semelhante à existente na Amazônia, alegando que a medida é rejeitada pelos produtores de soja. Apresentou, como alternativa, projeto de um fundo financeiro para compensar fazendeiros  por desmatamento evitado durante a vigência do contrato. Os recursos para esse fundo viriam principalmente das empresas do CGF. Pela proposta, a implementação do fundo, ainda inexistente, adiaria a discussão do fim do desmatamento para, no mínimo, 2023.

Na avaliação do Greenpeace, em vez de assumir suas responsabilidades corporativas, a Abiove e as traders que dela fazem parte ganham tempo – e querem transferir para seus clientes e para os fazendeiros o destino do Cerrado.  Sem o compromisso prévio e imediato das traders de não comprar soja de quem desmata, o  fundo em gestação corre o risco de se tornar um mecanismo de capitalização de produtores que, depois de receber recursos de compensação por uns poucos anos, poderiam desistir de renovar o contrato e usar o dinheiro para ampliar seus negócios. “Nem o Cerrado nem o clima podem esperar até que esse fundo tenha recursos suficientes para convencer produtores a não desmatar”, diz Paulo Adario, estrategista sênior de florestas do Greenpeace.

Em um momento em que o lançamento recente do relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) aponta os caminhos para limitar o aquecimento global a 1.5º C, o Cerrado, conhecido como a “caixa d’água do Brasil” por abastecer grandes e importantes bacias hidrográficas, está sendo destruído em proporções alarmantes pelo agronegócio e pela falta de ambição de empresas que têm a responsabilidade histórica de interromper esse processo. “Agir já não é apenas uma manifestação de responsabilidade corporativa para com todos nós – é também um instrumento de autodefesa: os negócios e as fazendas de soja serão atropelados pelas mudanças climáticas”, diz Adario. “O mundo não tem mais tempo a perder. Nem nós. Em tempos de crise global como estes que estamos vivendo, a visão de curto prazo e as ameaças políticas que pairam sobre o sistema de proteção socioambiental do país não permitem lentidão na tomada de decisões em defesa do Cerrado”, conclui ele.

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