Relembre ações do projeto que defendeu os territórios e costumes dos povos da floresta

O Asas da Emergência distribuiu, durante a pandemia de Covid-19, mais de 125 toneladas de insumos para aldeias e comunidades indígenas de toda a Amazônia brasileira.
© Valentina Ricardo / Greenpeace

Sabe-se hoje que não é possível defender a Amazônia sem defender os seus moradores e habitantes. Os povos originários e populações tradicionais, além de guardiões de hábitos e costumes milenares, são também grandes defensores das florestas – no Brasil, por exemplo, as Terras Indígenas perderam apenas 1% de sua vegetação nativa nos últimos 30 anos, estando entre os territórios mais protegidos e conservados do país.

Zelar pela maior floresta tropical do planeta e pelos direitos de suas populações foi o objetivo do programa Todos os Olhos na Amazônia – TOA, desenvolvido de 2018 a 2022 e que chegou ao fim recentemente. Por meio de um trabalho coletivo integrado, mais de trinta organizações do Brasil, Peru e Equador realizaram atividades nas áreas de tecnologia, direitos humanos, transparência e conservação da natureza..   

No Brasil, o programa foi responsável pela realização de mais de 106 atividades que beneficiaram diretamente mais de 85 mil pessoas. O programa foi posto em prática em nosso país por uma coalizão formada por Greenpeace, pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab) e pela Fase – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. 

Que tal relembrar algumas das ações empreendidas por esse coletivo?

LEIA A PARTE 1 DA RETROSPECTIVA TODOS OS OLHOS NA AMAZÔNIA

O programa Todos os Olhos na Amazônia apoiou a luta das mulheres do Maranhão em defesa de seus territórios.
© Christian Braga / Greenpeace

Guardiões da Floresta

O Maranhão é um estado com um grave histórico de conflitos e violência no campo. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ocorreram por ali, em 2021, nove assassinatos relacionados a conflitos fundiários. Isso faz do Maranhão o segundo estado mais perigoso para ativistas, atrás apenas de Rondônia. 

O assassinato de Paulo Paulino Guajajara, ocorrido em novembro de 2019, escancarou para o mundo a transgresão aos direitos indígenas que existe ali. Zezico Rodrigues, outra liderança Guajajara, foi morto em março de 2020. Em agosto daquele mesmo ano,  Kwaxipuru Kaapor, de 32 anos, foi violentamente silenciado. Todas essas mortes têm a ver com a defesa de territórios.

 Durante boa parte do tempo em que esteve vigente, o Todos os Olhos na Amazônia buscou endereçar esse problema. O programa trabalhou em parceria com diversas lideranças indígenas para aumentar a vigilância dos territórios maranhenses. Os Guardiões da Floresta – um grupo de voluntários que faz por conta própria o monitoramento de seu território – receberam apoio e recursos. Um encontro dos Guardiões reuniu 60 representantes de diversas terras indígenas que puderam trocar ideias e experiências.

Foram realizados ainda, com este mesmo objetivo, um encontro de jovens comunicadores Gavião, Krikati e Guajajara, para que eles usassem áudio e vídeo para registrar seus modos de vida, denunciar crimes ambientais e fazer sua voz chegar a todos os cantos do mundo. Outros eventos apoiados pelo Todos os Olhos na Amazônia foram o IV Encontro de Mulheres Indígenas do Maranhão e uma assembleia da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima). 

Estiveram conosco nessa caminhada, além dos povos já citados, os Kaapor, os Krikati, os Tremembé, os Awá Guajá e vários outros – todos em busca da promoção dos direitos e da defesa dos territórios originários do Maranhão.

A defesa dos territórios originários do Maranhão foi uma das frentes de trabalho prioritárias do Todos os Olhos na Amazônia

Asas da Emergência

A pandemia de covid-19 pegou o mundo todo de surpresa – e a Amazônia, com suas longas distâncias e equipamentos médicos de ponta disponíveis apenas nas capitais, não foi exceção. Quando as pessoas começaram a morrer com falta de oxigênio e o governo Bolsonaro falhou em prover às populações da Amazônia a assistência médica necessária, o Todos os Olhos na Amazônia ofereceu uma solução: a iniciativa Asas da Emergência.

O Asas da Emergência foi um projeto ambicioso e emergencial, de caráter humanitário, cujo objetivo era muito simples: salvar vidas dos povos indígenas amazônicos, abandonados à própria sorte pelo poder público. Para isso, o Greenpeace ofereceu sua aeronave e um enorme conjunto de instituições, sob liderança da Coiab, fez as pontes necessárias para alcançar aldeias e comunidades indígenas nos lugares mais distantes.

Ao longo de duas “temporadas” (em 2020 e 2021, durante as duas ondas mais implacáveis e mortíferas de covid-19) foram realizadas 126 viagens, que percorreram 191 mil quilômetros pela Amazônia brasileira e permitiram a doação de 125 toneladas de insumos – máscaras, luvas, sabão, álcool em gel, testes para covid, cestas básicas, concentradores e cilindros de oxigênio. Mais de 70 povos e pelo menos 160 mil indígenas foram diretamente beneficiados pelas doações articuladas pela Coiab.  

Em abril de 2021, o Asas realizou uma de suas maiores ações – a doação de uma usina de oxigênio para o município de São Gabriel da Cachoeira, na região do Alto rio Negro. A usina, que tinha o objetivo de encerrar a demanda pelo transporte de cilindros de oxigênio, atende a uma área com mais de 100 mil pessoas e 23 povos indígenas. Aquele lugar é considerado por muitos a região mais indígena do Brasil.  

Naquele mesmo mês, para chamar atenção para os mais de 400 mil mortos pela pandemia e para chamar as autoridades à sua responsabilidade, uma ação foi feita no Encontro das Águas de Manaus (AM) – um mural com a mensagem “400 mil vidas” foi escrito com insumos médicos e alimentos, que posteriormente foram doados a comunidades em situação de vulnerabilidade da capital amazonense

Até o final de 2021, a covid-19 havia atingido 158 povos na Amazônia, que registrou mais de 48 mil casos e fez 1.615 vítimas indígenas. Apesar de não ter evitado todas as mortes, o Asas com certeza foi um alívio durante um dos mais dramáticos capítulos da história recente dos povos amazônicos. 

O Asas da Emergência beneficiou mais de 160 mil pessoas e 70 povos por toda a Amazônia durante a pandemia de covid-19
Mais de 160 cilindros de oxígênio foram entregues durante a crise causada pelo coronavírus
© Greenpeace Brasil

Monitoramento dos territórios

Um dos mais importantes trabalhos realizados pelo Todos os Olhos na Amazônia foi o monitoramento das terras indígenas do norte do Brasil. Entender as dinâmicas de desmatamento desses territórios e saber quais são os fatores que ameaçam a sobrevivência dos povos originários – e as florestas dentro dessas áreas – é fundamental para cobrar ações das autoridades e levar para o mundo as causas da destruição na Amazônia.  

Para isso, as equipes envolvidas nesse trabalho fizeram análises de imagens de satélites, que permitiram acompanhar a devastação causada pelo garimpo e por estradas. Ao mesmo tempo, um forte trabalho de base e conversas com as pessoas “no chão” – lideranças indígenas, ativistas, mobilizadores, comunicadores locais – permite acesso a outro tipo de informação, como entrada de invasores nas terras, chegada de maquinários a áreas virgens ou a descoberta de um novo local de extração de ouro.  

Foi por meio deste trabalho, por exemplo, que foram descobertos os “paredões” de dragas de garimpo que desceram o rio Madeira e assustaram o mundo em 2021. A Terra Indígena Karipuna, em Rondônia, foi monitorada continuamente, e foram essas análises que mostraram que o desmatamento dentro dela cresceu 44% entre 2020 e 2021. 

Em anos anteriores, operações policiais como a SOS Karipuna ocorreram por conta das várias denúncias feitas pelo Greenpeace, pelo Cimi e pelas lideranças daquele povo. Este trabalho de monitoramento mostrou também que o garimpo já destruiu mais de 600 quilômetros de rios dentro das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza entre 2016 e 2021. Durante o horror que foi o governo Bolsonaro, foi fundamental saber e entender o que estava acontecendo dentro dos territórios – para protegê-los e chamar atenção para a exploração predatória que acontece indiscriminadamente no interior dessas áreas.

Cerca de 300 dragas de garimpo foram descobertas na cidade de Autazes em 2021. As imagens feitas na ocasião assustaram o mundo.
© Bruno Kelly / Greenpeace
Levantamento constatou a destruição de mais de 600 quilômetros de rios dentro das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, no Pará

Artivismo pela vida

Um grande manifesto poético-artístico em prol da conservação da maior floresta tropical do planeta. Assim pode ser definida a Canção pra Amazônia, obra lançada pelo TOA em setembro de 2021. Escrita pelo cantor e compositor Nando Reis e pelo compositor Carlos Rennó, a música cita diversos problemas ambientais que ocorrem no bioma e que agravam a crise climática – como o garimpo, a extração predatória de madeira, o ataque aos povos indígenas e “as boiadas” do governo Bolsonaro. 

Participaram da canção mais de 30 artistas, como Agnes Nunes, Anavitória, Arnaldo Antunes, Baco Exu do Blues, Caetano Veloso, Céu, Chico César, Djuena Tikuna, Duda Beat, Gaby Amarantos, Gal Costa, Gilberto Gil, Iza, Nando Reis e Thaline Karajá. A canção chegou a ter lançamento internacional. O clipe oficial passou das 400 mil visualizações. 

Em outro front, o grafite foi a opção utilizada pelo grupo de voluntários do Greenpeace em Manaus (AM) que, em abril de 2022, inaugurou uma obra que misturou ativismo, memória e resistência: um grafite de 23 metros de comprimento foi pintado numa das vias mais movimentadas da capital amazonense. Com essa ação, o grupo buscou fortalecer a luta dos povos indígenas pela demarcação de suas terras e homenagear a liderança Cláudia Baré e a ativista Samela Sateré-Mawé. Por trás dessa mobilização estavam os artistas visuais Sarah Campelo, Cria e Kina Kokama.

Outro investimento do Todos os Olhos na Amazônia no artivismo foi o apoio dado ao grupo Brô MCs, o primeiro grupo de rap indígena do Brasil. Na estrada há mais de uma década, o conjunto gravou recentemente uma música e um videoclipe animado em referência à campanha #IsoladosouDizimados, desenvolvida pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI). Tanto a música quanto a animação tem previsão de lançamento para o início de 2023.

A Canção pra Amazônia reuniu mais de 30 artistas num manifesto contra a destruição das florestas

Luta contra o Marco Temporal

O Marco Temporal é uma tese jurídica que busca estabelecer uma data a partir de quando um território pode ser considerado uma Terra Indígena – 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal. Diversos juristas, lideranças e ativistas consideram essa ideia inconstitucional. Primeiro, porque a Carta Magna de 1988, em seu artigo 231, fala nos “direitos originários” dos povos indígenas; ou seja, seus direitos são anteriores à própria formação do Brasil e não tem data para começar a valer ou expirar. 

Segundo, porque a definição de uma data sobre o usufruto de um território indígena desconsidera todo o histórico de violências aos quais os povos indígenas são submetidos desde 1500, como remoções forçadas, genocídios, epidemias e contaminações por doenças, escravizações e violências sexuais.   

Essa tese, no entanto, conta com apoio de parte poderosa do agronegócio, que conseguiu judicializar a questão e levá-la ao Supremo Tribunal Federal (STF). A apreciação dessa tese, que ocorre no âmbito do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, está suspensa desde junho de 2022. Por enquanto, o placar é de 1×1: Kássio Nunes votou a favor do Marco Temporal e Edson Facchin, o relator do caso, votou contra a tese. 

Desde seu início, o Todos os Olhos na Amazônia se posicionou contra a ideia do Marco Temporal – e apoiou todos os gestos do movimento indígena que expõem a inconstitucionalidade dessa ideia. Reuniões, conversas e debates foram realizados com o objetivo de explicar o Marco Temporal e seus malefícios para os povos indígenas. Em 2021, os acampamentos Levante pela Terra e Luta pela Vida, que ocorreram em Brasília e entraram para a história do movimento indígena, foram dedicados a acompanhar o julgamento e deixar muito clara a mensagem das lideranças. 

A luta contra o Marco Temporal é uma das maiores batalhas enfrentadas hoje pelos povos indígenas

Escuta dos Povos

Porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar contou que, mesmo com todos os esforços empreendidos pelo programa, a destruição das florestas continua acontecendo – assim como a luta e resistência dos povos originários e populações tradicionais. “O avanço da Economia da Destruição sobre as florestas comunais permanece. São mais de 100 milhões de hectares por toda a Amazônia ameaçados. Conter a Economia da Destruição e substituí-la é o nosso grande desafio pro futuro”, disse o porta-voz.

Danicley vai além: “Enquanto sociedade, precisamos dialogar sobre a construção de um novo modelo econômico, fundado na superação do atual padrão de produção e consumo. Entendo que a construção desse modelo passa pela escuta dos povos – uma escuta honesta e respeitosa, que considere os saberes e fazeres da floresta.”

O porta-voz disse ainda que, mesmo com o fim do projeto, as instituições participantes da iniciativa vão continuar alinhadas nas defesa das florestas e dos direitos dos povos indígenas. “O projeto acabou, mas o Greenpeace não vai abandonar essa luta. Vamos continuar apoiando os povos originários, vamos continuar fazendo denúncias e vamos continuar fortalecendo a resistência dos povos”, afirmou. 

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A professora Cláudia Baré foi uma das homenageadas num imenso mural em Manaus (AM) pintado por voluntários.
© Larissa Martins / Greenpeace

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